quarta-feira, 22 de março de 2017

Solitude

Uma das perturbantes circunstâncias das metrópoles e do nosso quotidiano é a solidão que parece descer sobre as vidas de muitos de nós: os sem família, ou apartados dela, ou que viram as sua uniões afetivas um dia desfeitas; nuns casos, ambas as coisas. A voracidade dos dias, o trânsito caótico o trabalho desgastante, e que nos consome recursos em demasia, o corre-corre de um lado para o outro, as discotecas com filas à porta e as noites a acabarem ao meio-dia, os relacionamentos fugazes, as seduções que, terminadas, encontram o eterno vazio de que se forraram, parece que tudo isto amplia o sentido de isolamento, ao invés de conceder a esperável esperança de companhia e agradabilidade. 

São demasiados os que se queixam de um enorme sentimento de estarem sozinhos no meio da multidão e afirmam que é difícil encontrar alguém disponível para uma conversa amena; do quão complicado é chegar à fala com pessoas interessantes e da quase impossibilidade de desenvolver relações fortes com conhecimentos recentes. Mas, a maior parte das vezes, por mais que façamos de conta que os motivos são outros, e são dos outros, basta olhar à nossa volta para ver com atenção o muro de isolamento e ostracismo que construímos no que às relações sociais respeita. E às vezes são anos e anos de deliberados distanciamentos ou então de focagens excessivas, quando não obsessivas, numa única relação, não permitindo que alguém partilhe o bunker do relacionamento bilateral em que nos metemos. 

É verdade, sim, que há pessoas mais propensas a socializarem do que outras; é verdade, sim, que muitos de nós não gostam dos conhecimentos em multidão e da possibilidade de se poderem gabar: "tenho uma montanha de amigos"; é verdade, sim, que as necessidades de isolamento e de interação divergem consoante a personalidade de cada um, mas não podemos eternamente ficar instalados nos nossos maniqueísmos do costume, querendo respostas simples e fáceis que expliquem tudo isto de uma forma linear. A personalidade de cada um de nós é o resultado estrutural de uma construção que durou quase metade da nossa vida, daí ser quase impossível operar mudanças radicais; e a medida do que está correto, aplicada a tudo, é a dose qb, a harmonia e temperança nas decisões e na consequente ação, salvaguardado o consenso e conflito da nossa identificação, que se quer ímpar.

Leiria - 2009





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