sábado, 18 de fevereiro de 2017

Posso recomendar Bertrand Russell?




Às vezes, por altivez, pomo-nos em bicos de pés e enveredamos por leituras que estão para além de um razoável grau de compreensibilidade. Aventuramo-nos pelos escritos opacos e insondáveis de filósofos quantas vezes «indisponíveis» – por mote próprio e vontade – para a transmissão clara daquilo que defendem ser as «suas ideias».

Expressar-nos de modo confuso, dúbio, inatingível, é muitas vezes, uma forma de nos julgarmos deuses, ou, por outro, sabermo-nos medíocres e, com essa atitude, julgarmos poder ocultar a vacuidade de uma (nossa) pretensa interioridade, fermentando-a com colagens e surtos de palavras em camadas sucessivas.

A comunicação, na sua génese mais elementar que colhemos dos ensinamentos da linguística, implica a existência de um emissor e de um recetor, condição sine qua non para que passe a mensagem e se dê o fenómeno. É necessário, igualmente, que o código que o emissor utiliza seja do conhecimento do recetor, pois caso contrário acontecerá aquilo que vulgarmente é conhecido por uma situação de «ruído na comunicação»: a interferência insuportável que torna impossível a apreensibilidade das mensagens, por falta de um código de transmissão comum.

Não estando eu apetrechado com as ferramentas adequadas, nem dominando convenientemente as técnicas hermenêuticas, ou de exegese filosófica – aos especialistas, aqui deixo a competente vénia –, arvorado apenas de utensílios simplórios, aptos para captar uma metafísica de quotidianos banais, recomendo a todos a leitura do meu filósofo mais querido, de comunicabilidade universal e a todos acessível: o saudoso Bertrand Russell.

Russel nasceu numa época que já pertence à História, tendo assimilado as ideias do século XIX e aprovado a sua devoção ao progresso da humanidade. Sempre viveu firmemente convencido de que um homem livre deve lutar até ao fim pela conservação da sua liberdade, mal grado ter vivido as duas guerras mundiais que abalaram os alicerces dos defensores da concórdia humana.

O que mais me assombra no pensamento deste homem, para além da clareza na comunicação das suas ideias, é o facto de ele nunca se ter interessado em construir um sistema filosófico rígido, mas sim em servir a verdade cientifica o melhor que sabia, à sua maneira pessoal, não sentido, nunca, dificuldade em admitir erros – uma vez que os reconheceu – ou encarar de forma aberta verdades recém atingidas.

As leituras que dele retenho são as propostas construtivas para reformas em todas as esferas da vida, que, à época, chocaram as mentalidades vigentes, em virtude da franqueza que lhes é reconhecida.

Em alternativa aos livros de auto-ajuda, que poluem os escaparates das estações de serviço, gares ferroviárias e aeroportos, dos quais a editora «Pergaminho» – a mesma do Paulo Coelho – se fez último baluarte, proponho as leituras de Bertrand Russell, que são de uma terrível atualidade, pelo seu enfoque e pela qualidade, verdade e simplicidade que encerram.

Estou certo que quem já leu a sua obra, ainda que sub-conscientemente, sentirá uma mudança peculiar na sua forma de pensar e de se interrogar sobre os pontos cardeais que nos importam para sermos felizes. O seu talento e eloquência, aliados ao dom inimitável de apresentar os problemas difíceis de uma forma agradável e compreensível, fazem dele, a meu ver, um dos melhores pensadores que alguma vez conheci e que, agora, perto das seis da manhã, relembro, muito a propósito de uma monografia que dele, recentemente, li.

Há madrugadas em que o sono não acontece e a escrita e a leitura são sempre as melhores companhias.



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Fénix renascida

A liberdade de começar de novo é, porventura, a maior de todas as liberdades. A «capacidade Fénix» de nos reerguermos das cinzas, reunindo os cacos, o que sobejou da mobília e das loiças, pondo tudo numa maleta mal enjeitada, refazendo-nos noutro lugar, como se fora um dom de maturidade maior, ou uma mostra da mestria da nossa capacidade de adaptação e sobrevivência.

[Há quem tenha definido inteligência como a especial capacidade de adaptação a cenários novos e, pese embora pensemos que qualquer tentativa de caraterização do termo redunde numa falácia, há muitos tipos de inteligência, não sendo de todo possível subsumi-la numa definição universal e finalista.]

Igualmente forte, como a significação de coragem, é o poder-dever de cambiar de opinião, arrepiar caminho, refletir, não fazer parte de «uma conspiração de estúpidos», acríticos, acéfalos, completamente tornados invisuais pela incapacidade de análise do self.

Fortalecemo-nos cada vez que nos imaginamos dotados desse sublime virtuosismo, que é a arte de nos reinventarmos. Sentimo-nos aptos a atravessar mares de tormentas, encapelados por ondas de contrariedades, contingências, agastamentos, saindo deles doridos, franzidos, mas capazes de endireitar os nossos amarrotados, de forma a nos apresentarmos quase incólumes e com um sorriso de vitória nos lábios.

Pretendemos, quantas vezes, delimitar as fronteiras entre o «correto» e o «incorreto» e – sabemo-lo bem – é impossível agradar a gregos e a troianos; movemo-nos sempre nas areias pouco seguras do relativo e do subjetivo, sem saber ao certo onde para esse paradigma chamado «verdade».

A nossa vida desenrola-se num trilho a que chamarei, por comodidade, caminho principal: um lugar confuso, inóspito, repleto de encruzilhadas, ruelas esconsas, algumas sem saída, percursos alternativos; e, queiramos ou não, perante o que nos vai surgindo ao longo da nossa caminhada, estamos sempre a ser confrontados com a necessidade de optar seguir por uma via ou por outra. 

Não há escolhas isentas de contrariedades, nem há nada capaz de escapar ao crivo da dúvida casuística. Todas as decisões condensam em si razões prós e razões contra...

(Um escrito meu de 2014 que o Facebook trouxe hoje à tona e julgava-o perdido, como tantos outros que lhes perdi o rasto. Republico-o porque lhe reconheço atualidade)