quarta-feira, 6 de junho de 2012

Eu gosto é do verão




O verão está à porta. E escrevo o vocábulo propositadamente em letras minúsculas, independentemente de ter a certeza de que o mesmo, segundo o novo acordo ortográfico, perdeu a dignidade maiúscula dos substantivos pomposos. Mas, confiando no Google, o Eu Sei Tudo do século XXI, presumo que assim seja. Em todo o caso, este sol-de-inverno que nos visita, não tem a substância que dele se esperava, nem merece um tratamento díspar em relação aos vocábulos mais ordinários da nossa tão maltratada língua pátria. É o vestíbulo de um verão polissémico, uma estação que ainda não se vê, aparentado com formas verbais que anunciam futuros, a vã promessa de que todos o verão. O verão?

Sinais de que o estio paulatinamente se aproxima, outro vocábulo sem dignidade maiúscula, é o surgimento nas passadeiras do ginásio que frequento, de bundas celulóticas que, a escassos meses de se exporem no areal da praia, já se agitam num frenesim infinito, na esperança de verem esmagadas impúdicas gorduras. 

São tentativas frustres, pois a moldagem do corpo, a perda de gordura e a sua transformação em músculo e massa corporal, exige trabalho, persistência, continuação não meramente sazonal. 

Mas, mais do que o incómodo da visão de tais impudências - as nádegas exageradamente transbordando gordura - lamento a ocupação a tempo inteiro das máquinas demolidoras de calorias que, chegando esta altura, estão quase sempre indisponíveis, tomadas que estão pelas moçoilas das bundas abundantes. 

E é isto que, entre outras coisas, prenuncia o verão. O meu verão. O nosso verão. O verão de todos nós. Verão, ou não...?

domingo, 3 de junho de 2012

Assim de repente




"O segredo do demagogo é fingir ser tão estúpido quanto sua plateia, para que ela pense ser tão inteligente quanto ele."
Karl Kraus

Assim de repente e ainda antes do jantar, verto algumas palavras para dizer que me assusta verdadeiramente a possibilidade, que infelizmente não é uma fantasia, nem um romanceado tardio, de caminharmos a largos passos para a abolição da graça e da simplicidade, das manufaturas, de todas as formas de arte, ou do simples prazer tátil de segurar um livro nas mãos e desfolhá-lo, estendidos no meio da erva alta, ao cair de um final de tarde, ou simplesmente estendidos na cama. Hoje assiste-se ao reino da maquinação, da informatização, da formatação e ao fim das grandes narrativas sociais. A maior parte dos grandes sistemas ideológicos dissolveram-se: perdemos o comunismo, perdemos o socialismo - enquanto «variante humana» do mesmo. Resta-nos apenas o mercado selvagem, onde só o dinheiro e a multiplicação do mesmo conta. Apraz-me recordar a célebre frase de um autor americano consagrado, de origem nipónica - um tal Fukuyama -, que pôde com pompa e circunstância anunciar há uns anos atrás o fim da História. É óbvio que se enganou. O mundo em que vivemos tornou-se complexo, opaco, mergulhado num sistema capitalista pragmático, insensível à solidariedade, apenas concentrado numa política que valora a maximização do lucro e trata com desdém a arte, a música, a contemplação, o pensamento filosófico, a literatura e a poesia - que servem para nos engrandecer tornando-nos melhores pessoas. Tudo o que não seja imediatamente gerador de lucro, foi arredado para um plano sectário ou caiu na mera tolerância, como as antigas casas de putas. A corrupção medra no tecido social e nos mais altos dignitários da classe política, com o beneplácito da acostumada impunidade e total ineficácia da Justiça. Está na hora de dizer basta! Mas os revolucionários ou já morreram todos os estão demasiado velhos.

Algumas das minhas palavras tornaram-se redondas, tantas as vezes que as repito, mas estas incontinências abeiram-se de mim, inevitáveis, irrecusáveis, emergentes. Quem jura que só com uma revolução a sério as coisas se endireitam, é apelidado de agitador, louco, desmoralizador, extremista, demagogo. Internem-me, asilem-me, prendam-me. Eu sou um deles. Fico à vossa espera.