quinta-feira, 31 de maio de 2012
terça-feira, 29 de maio de 2012
sábado, 26 de maio de 2012
Voltando às súmulas - em Regueira de Pontes
Excerto de um diálogo travado com esta lindíssima ovelha em Regueira de Pontes - Leiria |
- Está tudo tão caro! Mas, se reparares, isso é uma frase feita, um lugar-comum. Dantes, há vinte anos atrás, quando a inflação rondava níveis muito superiores e os juros bancários eram verdadeiramente insuportáveis, é que a vida era mesmo complicada. Lembro-me de receber o ordenado em géneros alimentícios.
- Tu deves estar mesmo a ficar velho. Só falas de coisas antigas!
- Hás-de chegar à minha idade e se tiveres essa sorte é porque a vida te sorriu em termos de saúde.
- Sim, nisso tens razão, mas tens de manter um espírito novo, liberto, virado para o presente, para o futuro e não viver com os olhos postos em águas passadas. Sabes daquele ditado? «Jamais a mesma água passa por debaixo da mesma ponte!»
- Sim, claro que conheço, mas não te esqueças que tem de chegar um momento qualquer da vida em que temos de ser capazes de fazer sínteses, súmulas, estancar períodos, fases, por forma a perceber a nossa própria evolução e concluir que há constantes em nós, coisas que se repetem.
- Olha, a conversa já está a descambar para o inteletual e eu disso não percebo nada. Não queres antes ir comer umas ervinhas?
- Acho que não gosto, mas, confesso, nunca provei. Vamos. Estou com fome e estes pensamentos ainda me abrem mais o apetite. Parece que não como há 50 anos! Mas... ainda voltando às súmulas...
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Da essência do amor
Fazer pensar é um intuito mediato de qualquer escritor, porque quando se escreve outra coisa não se faz no imediato que não seja pensar em voz alta. Procurar leituras amenas, filmes cor-de-rosa, finais doces e felizes que nos libertam das preocupações, das realizações complexas, desprendidas do temor, mostra a natureza das pessoas que tendem mais para a passividade do sonho, do devaneio, do que para a vida atuante e corajosa. Imaginar também é pensar, mas concretizar um pensamento e um desejo é um ato de integralidade e coragem. O problema do amor apresenta-se singularmente a cada ser humano, com a nudez estrutural que nenhum enunciado reveste ou disfarça suficientemente: não pode ser evitado nem pode ser resolvido por mandato. Há, porém, outro estádio, ou outra instância a considerar. Quando pareça resolvido negativamente, seja pela renúncia ou pela sublimação; ou quando pareça resolvido positivamente, pela aceitação, o problema do amor reaparece sempre a exigir mais perfeitos termos de satisfação, sossego e tranquilidade. O amor inquieta, perturba, atormenta durante a vida inteira o ser humano que, com tal dor, vai pagando o preço do seu ideal de perfeição. Ninguém se encontra satisfeito com a situação prática por que optou e aqueles que sinceramente se dizem felizes com as consequências da solução que adoptaram, mais não fazem do que proclamar o vencimento da ausência do amor que verdadeiramente desejavam em prol da vitória de uma virtude superior – virtude essa que não lhes basta, apenas os sustenta e confere uma aparência de sentido a algo sem viabilidade de ter sentido algum que não esse.
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Palavras que jorram
Estou a fazer algo que há muito tempo não fazia e agora me deu na real gana: escrever de forma automática – escrita de jorro – sem pausas relevantes, onde as palavras possam sair à rédea solta, como cavalos selvagens correndo contra o vento numa planície. Escrever sem pensar, deixando que as palavras se soltem, num débito fluído, irremediável, sem censura. Uma espécie de brainstorming meio aparvalhado, inventado agora mesmo, onde o conteúdo seja o que menos importa, já que é possível escrever, ou falar, sem nada dizer; e não são poucos os que cultivam essa estranha forma de arte. Até já pensei num texto, usando uma inventiva prosáica, mas tenho primeiro de interrogar alguém, não vá a minha provocação gerar estragos que ultrapassem a (boa) intenção do humor, não é Leonor? [Olha a rima, ó palerma!]. Estou a cair de sono, positivamente a cair da cadeira abaixo, hipnotizado pela luz cintilante do ecrã do monitor. As letrinhas negras já dançam irrequietas, ensaiando formas e significados insondáveis, abusadas, sem originalidade ou graça. Escrevo sem rumo. As palavras comandam o texto. São precisos inúmeros adjetivos para qualificar o peso da minha substância neste preciso momento. Ensaio, por isso, mencionar apenas alguns dos muitos que se soltaram da minha mente, sem que para tal tivessem pedido licença: cativo; direto; envolto; enfastiado; gasto; morto; sonolento; solto… (soltíssimo, num grau superlativo). Acrescento que o vocábulo «morto» é o particípio de morrer, mas tem tendência a estender-se a matar. Qualquer dia ainda mato alguém! Todos os cuidados são poucos nesta matéria de vida e/ou morte; e a esta preocupação não é alheia a ideação do escrito instantâneo que vai nascendo à boca de cena. Entretanto, a minha cabeça já morre noutros lugares: entre os gerânios e as orquídeas; as hortas e os pomares; a criação; os espantalhos; as cercas; as brisas e os finais de tarde solarengos no campo. Já é tempo de me agricultar por dentro e semear o verdadeiro fisiocrata das letras. O diabo que me carregue!
sábado, 12 de maio de 2012
Resulta evidente
Por vezes temos uma ideia na cabeça que queremos desenvolver através da
escrita. Pode ser um pensamento que surgiu à hora do almoço, depois da jornada
de trabalho, ou algo que anda a ruminar há algum tempo na nossa mente; mas
chegada a hora de escrever, outra coisa diferente, ambígua, até, jorra-nos dos
dedos. Começamos a escrever e a nossa mente divaga, já que a nossa existência é
feita de um contínuo de pequenos acontecimentos, a maioria sem grande
importância nem impacto. De vez em quando, muito de vez em quando, o fluir dos
dias agiganta-se, abrilhanta-se e, então, dizemos que aconteceu algo de
especial e guardamos datas na memória, sentimentos quentes e ternos ou
assustados e infelizes algures dentro de nós. Alguns encaram com leveza os dias
que correm. Lembram-se dos tempos da infância e sorriem condescendentes com o
que foram. Partilham com os amigos histórias improváveis, exageradas, cheias de
feitos e de graças e divertem-se com isso. Olham para sonhos que não se
cumpriram e objetivos que não se alcançaram e o coração não se aperta nem
descem véus de angústia ou derrota. Para outros, o passado, o futuro e,
sobretudo, o presente desgastam. Há uma queixa fina e virulenta, uma espécie de lamuria, que se torna numa inquietação permanente e sem objecto que corrói, que
transforma todos os momentos em tempo perdido, como se a felicidade e a vida
estivessem sempre noutro lugar. Viver pachorrento ou inquieto, tranquilo ou
perturbado, não é bem uma opção. Em cima de um temperamento que nos calha em
sina, acumulam-se experiências e formas de lidar com o que nos acontece, que
nos transforma exatamente no que somos: nós mesmos, únicos, diferentes,
extraordinários por isso. Somos quem somos, por acaso e sem escolha, já que não
nos soubemos fazer de outra maneira. O que nos afirma como únicos é, no
entanto, a nossa forma particular de dizer não e, a partir daí, reconstruirmos o (nosso) mundo - se é que ainda vamos a tempo. Temos
de fazer um esforço, sermos pró-activos, e não estarmos sempre à espera de uma
melhoria das contingências exteriores para fazermos algo por nós. Mas tudo
isto, depois de escrito, soa a receita fácil, já que é impossível fazer a
nossa vida retornar à pureza dúctil de uma página em branco. E, uma vez mais,
como se vê, para o escritor é mais fácil prescrever soluções generalistas (para
os outros) do que as considerar para si mesmo.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Fazer o que se gosta
As pessoas "como deve ser" querem-se
ocupadas, sempre ocupadas com coisas gloriosas. Devem fazer coisas, de
preferência úteis. Devem ser diligentes, atentas e interessadas, acordar cedo e
ter um toquezinho histérico ou hiperativo logo pela manhã, para demonstrar,
para exibir o tempo todo, atitudes de voluntarismo, vitalidade e energia.
Pessoas lentas e desmotivadas como eu, pouco expeditas no que às tarefas que
lhe desagradam respeita, arriscam-se a passar por madrionas, que é o epíteto
com que geralmente se mimam essas atitudes nefastas. Confesso-me um daqueles
"profissionais" que trabuca para a manduca. Sou competente quanto
baste, mas não obtenho êxtases com o meu trabalho nem me motivam
comportamentos de excelência. Para isso era preciso que eu amasse aquilo que
faço durante as cerca de sete horas que dura a minha jornada de trabalho.
Prefiro, de longe, ler, escrever, viajar, tocar guitarra, ouvir música,
conduzir motas, fotografar o entardecer, ou, simplesmente, concentrar-me no zunido que as cigarras provocam numa tarde de verão, do que ter de desempenhar tarefas que pouca
alegria me proporcionam. Faço-as bem feitas porque tenho de as fazer, porque me
pagam para ser competente, porque é a moeda de troca, o contrato a que me propus, para poder usufruir do privilégio de ter um ordenado confortável no final de cada mês. Sei que o meu emprego, a minha atual posição,
advém única exclusivamente do meu mérito e da carreira que eu mesmo promovi. Sei, igualmente, que hoje em dia já não existem empregos para a vida e que estar empregado e, no instante seguinte, ficar desempregado é um mal que pode atingir qualquer um.
Isso, de alguma forma, aplaca a minha (má?) consciência. Mas onde mora a
gloriosa opção de ver a relva a crescer? Ou a doce volúpia de não fazer nada?
Porque será que, tendo uma única vida para vivermos, só um nicho de
privilegiados consegue, no decurso da sua passagem pela vida, fazer somente aquilo que gosta e lhe transmite prazer? O dinheiro
liberta-nos. Aliás, é a única coisa nele que me fascina: a liberdade de podermos escolher - sermos aquilo que realmente somos. Iguais a nós mesmos. Fazedores do (nosso) prazer. Num outro modelo societário,
necessariamente mais evoluído, capaz de satisfazer as necessidades básicas de
cada um de nós e, ainda, promover a satisfação plena de todos os seus membros,
creio que esse horrendo meio de troca podia muito bem desaparecer.
domingo, 6 de maio de 2012
O mundo dos segredos
Uma deliciosa ocupação é deixar amadurecer um segredo e sentir o prazer
inebriante de saboreá-lo a sós. Mas quantas vezes a degustação desse prazer me
entristece e me atira para o devaneio. O esquecimento é a melhor cortina de
seda que me ocorre diante de um segredo, mas traz sempre consigo a dolorosa
responsabilidade de não o poder esquecer. É verdade que guardo alguns segredos. Às vezes
sinto-me uma espécie de repositório de segredos: uns meus, outros
de pessoas que me são, ou, em algum momento, foram chegadas. Não me refiro
naturalmente à informação que está por detrás das passwords, essa hipérbole criada
por esta nova geração de polichinelos burocratas, caídos na
absoluta tentação do proselitismo pragmático.
Nasci com o eclodir da guerra colonial e pertenço à insigne geração dos iniciados nos primeiros cadernos de caligrafia e amestrados nos alfabetos por ditados, cópias e redações. Leio páginas de livros melhor do que comandos eletrónicos e senti algumas dificuldades em acompanhar o galopante avanço das novíssimas tecnologias. Fui treinado para descobrir sinónimos em dicionários, definições em enciclopédias, ensaios de erudição em almanaques. Sou de um tempo em que todas essas coisas se julgavam ferramentas de sobrevivência para o futuro que pudesse acontecer.
Hoje, descubro-me ensardinhado entre aptidões, que me diziam ser obrigatórias e indispensáveis, e este novo mundo de instrumentos visionários, que apenas as histórias de ficção científica me permitiam imaginar. De repente, depois de pequenas e imperceptíveis metamorfoses, encontro-me dentro dessa ficção. Passa-me muitas vezes pela cabeça o tempo que perdi a decorar tabuadas, nomes de rios, serras, linhas de caminho-de-ferro, declinações e fórmulas químicas. Mal eu sabia que havia de chegar a altura em que tudo isso seria absolutamente desnecessário para a prática comum da civilidade. Hoje em dia quase tudo se resume ao preenchimento de campos e ao domínio de aplicações informáticas, que tendem a estender a sua fervorosa ditadura a toda a atividade humana. O neologismo «info-excluídos» há muito que entrou no léxico da competição laboral e quem não dominar com desenvoltura os ficheiros zipados, os scanners, os downloads e toda a panóplia de novas ferramentas, resta-lhe deixar-se ultrapassar pela voragem dos mais novos que, sequiosos de vencer e conquistar, vêm aos tropeções, ansiosos por provar que podem destronar os mais velhos das suas ciências rotineiras e caídas em desuso.
A minha capacidade para arrecadar passwords está perto de atingir o limite do suportável: é o código do alarme da repartição; são as palavras-chave para ter acesso às diferentes aplicações informáticas; a senha para iniciar o computador no ambiente de trabalho; o código do cofre; a senha para ter acesso ao telefone! Se a isto somarem as senhas que tenho para uso pessoal, desde o multibanco, ao blogue onde escrevo, passando pelas diversas caixas de correio eletrónico, verifico facilmente que vivo num mundo de segredos onde se, porventura, me esquecer de alguma das palavras mágicas – os diversos abracadabras que se me colam como sanguessugas indispensáveis – fico ao relento de quase todas as dinâmicas que atualmente compõem as facetas da minha vida.
Apetecia-me ensaiar um regresso às origens, no sentido mais real da expressão, e tornar a um tempo em que imperava a rotina dos momentos singelos. Quantas vezes não sinto vontade de me estender numa cama, acompanhado de uma sanduíche de marmelada e um copo de leite com Nesquick, e reler todos os livros da Enid Blyton, a começar pelas aventuras dos Sete. Deixar-me de segredos para sempre, que não fosse as maravilhas que esses tempos deambularam na minha mente. Esses, sim, eram os verdadeiros segredos; o néctar que fermentava os rasgos da imaginação que transportavam ao sonho e à felicidade.
Nasci com o eclodir da guerra colonial e pertenço à insigne geração dos iniciados nos primeiros cadernos de caligrafia e amestrados nos alfabetos por ditados, cópias e redações. Leio páginas de livros melhor do que comandos eletrónicos e senti algumas dificuldades em acompanhar o galopante avanço das novíssimas tecnologias. Fui treinado para descobrir sinónimos em dicionários, definições em enciclopédias, ensaios de erudição em almanaques. Sou de um tempo em que todas essas coisas se julgavam ferramentas de sobrevivência para o futuro que pudesse acontecer.
Hoje, descubro-me ensardinhado entre aptidões, que me diziam ser obrigatórias e indispensáveis, e este novo mundo de instrumentos visionários, que apenas as histórias de ficção científica me permitiam imaginar. De repente, depois de pequenas e imperceptíveis metamorfoses, encontro-me dentro dessa ficção. Passa-me muitas vezes pela cabeça o tempo que perdi a decorar tabuadas, nomes de rios, serras, linhas de caminho-de-ferro, declinações e fórmulas químicas. Mal eu sabia que havia de chegar a altura em que tudo isso seria absolutamente desnecessário para a prática comum da civilidade. Hoje em dia quase tudo se resume ao preenchimento de campos e ao domínio de aplicações informáticas, que tendem a estender a sua fervorosa ditadura a toda a atividade humana. O neologismo «info-excluídos» há muito que entrou no léxico da competição laboral e quem não dominar com desenvoltura os ficheiros zipados, os scanners, os downloads e toda a panóplia de novas ferramentas, resta-lhe deixar-se ultrapassar pela voragem dos mais novos que, sequiosos de vencer e conquistar, vêm aos tropeções, ansiosos por provar que podem destronar os mais velhos das suas ciências rotineiras e caídas em desuso.
A minha capacidade para arrecadar passwords está perto de atingir o limite do suportável: é o código do alarme da repartição; são as palavras-chave para ter acesso às diferentes aplicações informáticas; a senha para iniciar o computador no ambiente de trabalho; o código do cofre; a senha para ter acesso ao telefone! Se a isto somarem as senhas que tenho para uso pessoal, desde o multibanco, ao blogue onde escrevo, passando pelas diversas caixas de correio eletrónico, verifico facilmente que vivo num mundo de segredos onde se, porventura, me esquecer de alguma das palavras mágicas – os diversos abracadabras que se me colam como sanguessugas indispensáveis – fico ao relento de quase todas as dinâmicas que atualmente compõem as facetas da minha vida.
Apetecia-me ensaiar um regresso às origens, no sentido mais real da expressão, e tornar a um tempo em que imperava a rotina dos momentos singelos. Quantas vezes não sinto vontade de me estender numa cama, acompanhado de uma sanduíche de marmelada e um copo de leite com Nesquick, e reler todos os livros da Enid Blyton, a começar pelas aventuras dos Sete. Deixar-me de segredos para sempre, que não fosse as maravilhas que esses tempos deambularam na minha mente. Esses, sim, eram os verdadeiros segredos; o néctar que fermentava os rasgos da imaginação que transportavam ao sonho e à felicidade.
sexta-feira, 4 de maio de 2012
Nem tudo o que parece é...
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