quinta-feira, 31 de março de 2022

Curiosidade

Curiosidade é o que move o ser humano a querer saber um pouco a mais do que ele já sabe. Somos quase todos curiosos e isso dá um enorme jeito em termos de sobrevivência. Desde pequeninos usamos o que isso tem de inato para conhecermos melhor o mundo que nos rodeia, para aprendermos os sinais de perigo e os de gratificação e também para chamarmos a atenção das pessoas e estabelecermos relações. São sempre os mais curiosos que se interessam por mais e diferentes coisas, que exploram e levam por diante empreitadas e obras que passam ao lado dos que, permanentemente, consideram que o que acontece à sua volta não lhes diz respeito. É bom ser curioso. Mas se uma parte substancial da nossa curiosidade nos ajuda a crescer e nos serve no sentido de sermos mais e melhor, uma outra parece supérflua e até mesquinha. Prende-se a detalhes insignificantes, toma a parte pelo todo e, a partir daí, galopa na construção de histórias improváveis e maledicentes. É essa parte da nossa curiosidade que nos faz calar para escutar a conversa da mesa ao lado entre pessoas que nunca vimos, que nos faz abrandar, quase parar, para ver se do tal acidente resultaram vítimas mortais. Interessamo-nos, disfarçadamente, por aspectos que, juramos a pés juntos, não têm interesse nenhum. Seremos voyeurs? Cuscas? Criaturas infelizes com vidas demasiado triviais para nos comportarmos desta forma horrenda? Frequentemente polarizamos a vida e os acontecimentos em duas categorias simplistas e reducionistas: de um lado os contentinhos bem cheirosos a quem só acontecem coisas boas e, do outro, os desgraçados da sorte enredados em tragédias e cenas tristes. O que é certo é nunca nos contentamos com as partes triviais e desapaixonadas das informações que nos chegam às mãos. Precisamos sempre de apimentar a verdade com algo fascinante e indecoroso; e fazemo-lo, dizemos nós, por mera curiosidade.



sábado, 26 de março de 2022

Pizzas e peripécias



Comecei a ganhar o hábito nefasto de, em especial aos fins-de-semana, agarrar no telefone e encomendar uma pizza à Telepizza. Já começo a conhecer a voz de uma grande parte dos atendedores e até já sei de cor as perguntas que me vão fazer: "Telepizza boa tarde!" O que vai desejar? Não quer aderir à nossa promoção? Na compra de uma pizza média bananás, oferecemos-lhe dois pães de alho e uma Coca-Cola de litro". Regra geral, recuso quase sempre as promoções, pois trata-se de mais do mesmo: venenos gastronómicos a que se acrescentam outros ainda mais poderosos.
 
Encomendar uma pizza é prático, pouco salutar, confesso, mas evita uma enormidade de chatices tais como: ter de tomar banho, vestir-me e sair de casa para ir ao restaurante, sempre que a fome aperta; ou, pior, abrir o frigorífico, rezar para que haja lá dentro alguma coisa comestível, cozinhar, colocar a loiça na máquina, limpar as bancadas da cozinha e os utensílios que utilizo - geralmente são sempre muitos. Além do mais, descobri que o gato Ruca adora pizza. Uma vez dei-lhe um bocadinho a provar, já que ele não parava de miar, ao mesmo tempo que ensaiava pulos com destino no meu colo, e o bichano adorou. Foi com uma enorme sofreguidão que devastou quase metade de uma fatia, enquanto emitia uns miados estranhíssimos que denunciavam um estado de inteira satisfação.

A propósito das pizzas, há uns largos meses atrás, mais ou menos na altura em que comecei a aderir a este american way of life, tal como hoje, encomendei uma pizza. Passados trinta minutos, que é o tempo médio da chegada do moto-boy, estando eu já completamente esquecido de que fizera a dita encomenda, tocam à campainha da entrada. Como tinha ido tomar banho, e já estava todo ensaboado, tive de rapidamente tomar uma chuveirada e enrolar-me numa toalha para ir abrir a porta. Sem o cuidado prévio de espreitar pelo orifício da porta, para ver quem estava do outro lado, deparei-me com uma jovem moto-girl, que, apesar do meu pedido de desculpas pelo facto de lhe aparecer todo molhado e enrolado numa toalha, não se mostrou minimamente surpreendida ou afetada por me ver em tais preparos. Enrolado no pedaço de turco, com a mão esquerda a segurar firmemente a toalha, tentei com a outra mão fazer as operações necessárias à receção da pizza, a saber: entregar-lhe o cartão de débito, digitar o código do multibanco e rececionar a pizza e a bebida. Mas as coisas na parte final não correram pelo melhor. Resultado: a toalha caiu e só tive tempo de fechar bruscamente a porta, que se encontrava entreaberta.
 
Refeito do sucedido, cobri-me, abri de novo a porta e pedi imensas desculpas à senhora pelo acontecimento. Para meu espanto, a jovem continuava impávida e serena e afiançou-me que "não vira nada". Reiteradas as minhas desculpas, por ela aceites com um largo sorriso, recolhi-me, bastante envergonhado com toda a situação, não fora a menina pensar que eu era algum tarado que engendrara tudo aquilo.
 
Ainda com a consciência pesada da descortesia que havia cometido, fruto da minha total falta de cuidado, decidi a telefonar à Telepizza para, junto do gerente, relatar o sucedido e reiterar uma vez mais as minhas desculpas. Do outro lado do telefone, a reação foi demolidora: "Não se preocupe. A Sandra, tal como todos nós, está mais do que habituada a esse género de situações. Aliás, faz parte do trainning do pessoal a preparação para cenários semelhantes. Olhe, ainda andava eu nestas andanças há pouco tempo, fui chamado a um quarto de hotel aqui de Leiria para fazer a entrega de uma pizza e, acredite pois é verdade, tive de esperar que o casal terminasse... para poder fazer a entrega da pizza. Não fique preocupado e conte sempre connosco!".
 
Se eu já estava com a consciência pesada ainda pior fiquei. O gerente acabara de me contar tudo aquilo sempre com um tom de riso incontido na voz, como se a minha preocupação não tivesse qualquer razão de ser e fosse antes fruto de um zelo exagerado. Senti que, dai em diante, iria fazer parte do extenso anedotário dos entregadores de pizzas de Leiria. E creio, inclusive, que a minha fama como encomendador de pizzas ficou traçada. Já estou a imaginar um possível diálogo lá na loja: "Olha, o exibicionista de Vale Sepal, aquele da toalha, o do 4º D, acabou de encomendar uma bananás. Quem é que pode lá ir? Vais lá tu, Sandra?" "Eu? Porque não mandas antes a Deolinda? Ou será que os tarados têm sempre de sobrar para mim?"
 
[Nesse dia, depois do sucedido, recordo que deixei cair a toalha ao meu lado sob os lençóis desarrumados da alcova. Vi o meu corpo exposto, húmido, espalhado no colchão e não senti vergonha dele. De seguida, descobri uma vestimenta confortável, resolvido a não sair de casa da mesma forma que vim ao mundo; e hoje sei que, deste singular acontecimento, ficou apenas uma memória vaga, para regalo e escrita]

Leiria - 2009*

*Atualmente não como pizzas e creio que jamais as comerei de novo. Pizzas e água suja do capitalismo, vulgo Coca-Cola, são substâncias que jamais entrarão no meu organismo.



terça-feira, 22 de março de 2022

Da solidão



Uma das perturbantes circunstâncias das metrópoles e do nosso quotidiano é a solidão que parece descer sobre as vidas de muitos de nós: os sem família, ou apartados dela, ou que viram as sua uniões afetivas um dia desfeitas; nuns casos, ambas as coisas. A voracidade dos dias, o trânsito caótico o trabalho desgastante, e que nos consome recursos em demasia, o corre-corre de um lado para o outro, as discotecas com filas à porta e as noites a acabarem ao meio-dia; os relacionamentos fugazes, as seduções que, terminadas, encontram o eterno vazio de que se forraram. Parece que tudo isto amplia o sentido de isolamento, ao invés de conceder a almejada esperança de companhia e agradabilidade.

São demasiados os que se queixam de um enorme sentimento de estarem sozinhos no meio da multidão e afirmam que é difícil encontrar alguém disponível para uma conversa amena; do quão complicado é chegar à fala com pessoas interessantes e da quase impossibilidade de desenvolver relações fortes com conhecimentos recentes. Mas, a maior parte das vezes, por mais que façamos de conta que os motivos são outros, e são dos outros, basta olhar à nossa volta para ver com atenção o muro de isolamento e ostracismo que construímos no que às relações sociais respeita. E às vezes são anos e anos de deliberados distanciamentos ou então de focagens excessivas, quando não obsessivas, numa única relação, não permitindo que alguém partilhe o bunker do relacionamento bilateral em que nos metemos.

É verdade, sim, que há pessoas mais propensas a socializarem do que outras; é verdade, sim, que muitos de nós não gostam dos conhecimentos em multidão e da possibilidade de se poderem gabar: "tenho uma montanha de amigos"; é verdade, sim, que as necessidades de isolamento e de interação divergem consoante a personalidade de cada um, mas não podemos ficar eternamente instalados nos nossos maniqueísmos do costume, querendo respostas simples e fáceis que expliquem tudo isto de uma forma linear.

A personalidade de cada um de nós é o resultado estrutural de uma construção que durou quase metade da nossa vida, daí ser impossível operar mudanças radicais; e a medida do que está correto, aplicada a tudo, é a dose qb de harmonia e temperança nas decisões e na consequente ação, salvaguardado o consenso e o conflito da nossa identificação, que se quer ímpar.

Leiria - 2009




quarta-feira, 16 de março de 2022

A solidariedade não pode ser uma palavra vã

 



O dia amanheceu gélido e em tons ocre. Nuvens de poeira vindas do Norte de África atravessam os céus de Portugal continental e o resto da Península Ibérica, tudo pintalgando de areia. Dizem os entendidos que se trata de um fluxo vindo de sul, induzido pela “depressão Célia", daí a alteração da cor do céu. Indiferente, a guerra segue os seus sinistros trâmites. As forças russas estão mais perto do centro de Kiev. A diplomacia continua a ser um caminho para colocar fim ao conflito: o Presidente Zelensky afirma que as negociações de paz com a Rússia estão mais realistas. O número de refugiados ucranianos ultrapassou esta quarta-feira os três milhões.

No meu percurso habitual para o ginásio, não resisti passar perto do Estádio Dr. Magalhães Pessoa, um mamarracho que mais parece uma construção gigante de lego, projetado pelo arquiteto Tomás Taveira - aquele que protagonizou um dos maiores escândalos sexuais dos anos 80 em Portugal e que ficou celebérrimo pelo ditoche, que à data se lhe atribuiu como resposta, quando uma das muitas amantes com que deleitava no atelier lhe perguntou acerca da origem de uma luzinha vermelha a piscar: “It’s a Sony!”. Mas isso são águas passadas que não vêm ao caso e o sucesso dos programas televisivos com as Candid Camera (não confundir com a câmara do Cândido) foi um epifenómeno que também já teve os seus momentos de glória.

As palavras são como as cerejas, diz o provérbio, e, por mais que me esforce, por incontinência verbal, certamente, não consigo dissociar a visão do espólio artístico do arquiteto Tomás, do realizador porno-caseiro Taveira. É difícil esquecer a bizarria novelesca que em 1989 pôs o país inteiro a rir às lágrimas, quando a imprensa revelou imagens do arquiteto a ter relações sexuais com várias mulheres. Vídeos que ele fazia sem o consentimento das participantes e depois mostrava aos amigos. Desde então, pouco mais se ouviu falar do homem.

O estádio do Casanova, construído para o Euro 2004, possui uma capacidade de 25.000 lugares, totalmente cobertos, e, apesar dos concertos pop/rock e outros eventos de cariz cultural que nele têm ocasionalmente lugar, nunca justificou o investimento feito aquando da sua construção. São décadas de despesismo que desequilibram o orçamento camarário e dinheiro que podia ser aplicado em fruições muito mais proveitosas para a população de Leiria.

Mas, nos últimos tempos, tenho finalmente assistido à utilidade mais nobre de tão grandiosas e desocupadas instalações. Uma parte considerável do edifício serve atualmente de quartel-general para a vacinação contra o Covid-19 e muitos camarotes estão a servir de instalações provisórias para as dezenas de refugiados ucranianos que estão constantemente a chegar à nossa cidade. O porno-arquiteto Taveira desapareceu da ribalta – o ex-Casanova terá atualmente mais de 80 anos – mas um edifício da sua lavra conhece hoje as mais dignas funções - para além dos jogos futebolísticos que não tocam o meu coração.

Pelo sim, pelo não, já que a minha idade não permite que me aceitem nas fileiras como combatente – com algumas horas de treino, tenho a certeza que voltava a afinar a pontaria de uma G-3 e conseguia despachar alguns russos. Afinal foram quase 10 anos que estive no Exército – deixei o meu contacto na receção do recinto desportivo e a oferta pro bono da minha experiência de alguns anos como professor de Português para estrangeiros.

Todos podemos fazer algo positivo, caso queiramos. E, mais do que promover rezas e santinhos em prol de quem se encontra a sofrer na Ucrânia, ou alinhar em manifestações com bandeirinhas a acenar, é tempo de sermos proativos e fazer com que a solidariedade e o empenho voluntário não sejam na nossa boca apenas palavras vãs.

Hoje, na receção do estádio, sacos com oferendas de bens alimentares e outras utilidades empilhavam-se a cada momento; e nos escassos minutos que lá passei, duas pessoas apresentaram-se como voluntárias para o que fosse necessário.

Há gestos, atitudes, bondade imensa, aquilo que por todo o lado vejo, que me fazem sentir orgulho de ser português e ter nascido num país que, acima de tudo, preza os valores humanistas e democráticos. A minha atitude, tão escassa, é um nada comparada com o mar de bondade com que me deparo por uma fatia ampla da população. São estas atitudes que nos fazem sentir humanos, solidários, e conferem todo o sentido à nossa existência. Para mim, são sobretudo, fonte de inspiração e um exemplo a seguir.












domingo, 13 de março de 2022

Sobre um dos valores que mais prezamos: a beleza


A partir de uma certa idade, parece que o processo que dita o nosso envelhecimento multiplica-se de forma geométrica; e, em cada dia que passa, quando nos olhamos no espelho, achamo-nos mais envelhecidos. Dando por adquirida a verdade de que a fonte da eterna juventude nunca passou de uma efabulação literária, temos de aceitar que o encarquilhar da face, o branquear dos cabelos, a proeminência do ventre e a perda gradual da energia, são realidades com as quais temos de lidar; e, sobretudo, encará-las como fazendo parte de um processo gradual ao qual nenhum de nós consegue escapar.

Dizem, talvez para amortecer o desânimo que nos toca, que envelhecer tem os seus encantos e que os ganhos de maturidade e experiência de vida, de certo modo, contrabalançam o que se perde em vivacidade. O ideal seria, sim, conservarmos a juventude e a experiência, entretanto adquirida. É por isso que existem os ginásios, que se têm multiplicado como cogumelos, muito frequentados por cinquentões e cinquentonas, obstinados em não aceitar as sequelas naturais causadas pelo processo de envelhecimento.

Nada tenho contra os ginastas cinquentenários e saúdo todas as práticas em prol da saúde. Que isso fique bem claro! Acho, sim, patética, a atitude de certos figurões e figuronas, alguns bem conhecidos na nossa praça, que se pintalgam de loiro platinado, colocam perucas e capachinhos, fazem enxertos capilares, usam jeans rasgados e, acima de tudo, adoram ser descorados pela magia do photoshop. São pessoas que renegam infantilmente a idade que têm e nem se apercebem o quão ridículas ficam ao fazê-lo. Há várias formas de encararmos a chegada da “idade da razão”, umas mais positivas do que outras, mas ficamos quase todos com uma tremenda necessidade de nos sentirmos seguros.

A perda da beleza é, mais do que nos homens, o maior pavor das mulheres. E o que é belo, como todos os conceitos difíceis, está muitas vezes para lá do que se vê. Há quem ache que o belo tem um caráter essencial que se presume, tão indefetivelmente como tudo o que é importante, e que, por isso mesmo, diz muito mais sobre aquele que contempla do que sobre o objeto de admiração. Daí a afirmação de que a beleza está nos olhos daquele que ama. Se for assim, quer dizer, se a beleza for o sintoma de uma rendição afetiva, então entramos num outro registo valorativo em que o sensorial manda.

Mas para lá da subjetivação do que seja ou não belo, existe certamente um conceito objetivo do que seja a beleza e a fealdade; ou seja: ninguém pode, sem usar de má fé, dizer que determinada atriz, eleita popularmente como uma sex simbol, é objetivamente feia. E é no retorno da (nossa) imagem, que o espelho nos dá todos os dias pela manhã, que reside o grosso de todos os nossos pavores: “Espelho meu, há alguém mais feio do que eu?”


sexta-feira, 11 de março de 2022

Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade?


Repetem-se os especialistas dizendo que o meio aéreo é o transporte mais seguro. Até pode ser que seja verdade, mas, nas minhas deambulações pela Internet, deparei-me com um site sinistro que compila as histórias de todos os acidentes aéreos, ocorridos entre uma determinada data (século XX) até ao momento presente.
O site é bastante completo e fiável e inclui os relatórios oficiais dos sinistros, com fotos e todo o género de especificações.

Somente no corrente ano de 2019, resultantes de acidentes ocorridos com aviões civis, fossem eles particulares ou comerciais, já se contabilizam cerca de 250 mortes.

A sofisticação e os enormes avanços tecnológicos tornam os aviões cada vez mais seguros, mas será que a formação dos pilotos acompanha a cada vez maior automação dos modernos aparelhos comerciais?
 
Li algures que um piloto de Airbus, referia-se à nova geração de aviões como sendo computadores com asas, aptos a substituírem-se aos pilotos e até mesmo impedirem manobras humanas julgadas (por eles, computadores) "inadequadas" durante o decurso do voo.

Não tenho dúvidas de que os aviões do presente, são incomensuravelmente mais seguros do que os de há duas ou três décadas atrás. O problema dos acidentes é, porém, fácil de adivinhar: cada vez há mais aviões a cruzarem os céus, o número de passageiros quintuplicou em comparação com duas décadas atrás e a crescente sofisticação das modernas aeronaves exige muito mais tempo despendido em formação.
 
Mas a formação é cara e os aviões só dão lucro se os pilotos estiverem a pilotá-los, de preferência, apinhados de passageiros.

É fácil de adivinhar que o crescimento exponencial do número de passageiros, aliado à falta de escrúpulos de algumas companhias aéreas que, em nome do lucro, descuram manutenções rigorosas, a que se junta a falta de formação adequada dos pilotos para lidar com aeronaves cada vez mais sofisticadas, trará no futuro muitas mais mortes em acidentes.

Em pouco tempo, com total perda de vidas, caíram misteriosamente dois Boeing 737 Max-8, aeronaves novíssimas e com o mais elevado nível de sofisticação oferecido pela tecnologia norte-americana.
Há rumores de que os pilotos não tinham suficiente formação para lidar com a sofisticação tecnológica deste novo aparelho, com motores muito mais potentes, requerendo experiência e formação especifica. As peritagens, espera-se, serão conclusivas sobre o que aconteceu, mas a Boeing não quer que a imagem da companhia seja afetada e haja um decréscimo nas encomendas do seu modelo, o mais vendido em todo o mundo.

Estamos no primeiro trimestre do ano. Vamos ver o que o resto do ano nos reserva no que ao "transporte mais seguro de todos" respeita.
 
Há soluções tecnológicas, já estudadas, que poderiam ser implementadas para salvar vidas humanas, como o encapsulamento da cabine de passageiros e do cockpit, provido de pára-quedas e com uma proteção especial em relação ao resto do aparelho, mas isso iria encarecer os custos de operação e consequentemente diminuir os lucros chorudos que esta atividade gera para imensa gente.
E, tal como na guerra, a perda de umas centenas de vidas por ano, são danos colaterais bastante comportáveis, para mais, cobertos pelos seguros, e que justificam a inércia de investimentos em mais segurança.
 
Viva o lucro!

quinta-feira, 10 de março de 2022

A avó Quina e a Gripe Espanhola



A minha avó Joaquina nasceu no ano de 1900 e contava-me muitas memórias da sua infância, tais como: o assassinato do Rei. D. Carlos e do príncipe real D. Luís Filipe de Bragança, ocorrido no Terreiro do Paço em 1908, acontecimento que muito a comoveu, pois era uma admiradora incondicional da beleza do príncipe, que via amiúde nos muitos postais ilustrados da época.

Também me falava dos gaseados que retornaram a Portugal, após a campanha na Batalha de La Lys, durante a I Guerra Mundial; e muitas vezes, para repreender os netos, usava a expressão: " Está quieto! Parece que estás gaseado!".

Ao que parece os gases afetavam gravemente todo o sistema neurológico dos atingidos, provocando comportamentos muitas vezes anormais, daí a vulgarização da expressão.

Recordo-me particularmente de ela falar das vítimas do Tifo e da Gripe Espanhola, também apelidada de pneumónica, que a partir de 1918 tomou forma de pandemia, disseminando o vírus influenza, que se espalhou por quase toda a parte do mundo, vitimando entre 50 a 100 milhões de pessoas.

Lembro-me de ela relatar histórias de pessoas que eram enterradas à pressa, com medo da disseminação do vírus, e acordavam nos caixões, com carradas de terra em cima. Acabavam por morrer por asfixia, claro está. Quando se escutavam barulhos estranhos durante a noite, relatados pelos coveiros que pernoitavam nos cemitérios, aos quais se atribuía alguma credibilidade, desenterravam os corpos e, não raro, eram encontrados defuntos com as unhas cravadas na tampa do caixão ou voltados ao contrário.

A minha avó Quina era particularmente mórbida. Era adepta incondicional de funerais e não falhava um que acontecesse nas redondezas. Pedia a Deus muitas vezes que a levasse (durou até aos 95 anos!) e efabulava o cenário do seu próprio funeral e da roupa que gostaria de trajar. Foi certamente por sua influência que também eu ganhei um certo gosto pelo mórbido, levando-me inclusive a fotografar funerais na minha juventude.

Mais tarde, um pouco mais crescido, relembrei-me das histórias da minha avó e a curiosidade fez-me ler algo mais sobre estes factos. Sabendo da sua propensão para a morbidez, quis certificar-me da veracidade dos seus relatos e pude constatar que tudo aconteceu como ela contava.

A minha prima, Paula Arocha, companheira dos melhores momentos da minha infância, certamente se recorda de, no quintal da casa onde ela morava, fazermos funerais, com coroas de flores e cruzes de madeira, e nos postarmos a rezar pela morte de um presuntivo falecido primo. Isto até a avó Quina ir à varanda, deparar-se com o sinistro espectáculo no quintal e quase desfalecer.

A pneumónica, apelidada de Gripe Espanhola, curiosamente não surgiu em Espanha, mas este país, uma vez que não participou na I Guerra Mundial, não censurava as noticias e divulgou os milhões de infetados por todo o mundo. Alguém se lembrou, provavelmente um jornalista, de inventar o epíteto "Gripe Espanhola".

A História da Humanidade está repleta de epidemias e pandemias, mas a nossa curta memória e especialmente o incremento sensacionalista dos media, faz-nos recear o Covid-19 mais do que outras virulências bem mais mortíferas que devastaram milhões de vidas. Malthus, sinistramente, defendia a necessidade das pandemias e das guerras, como um bem-vindo controlo populacional. Mas não cheguemos nós a tanto.









quinta-feira, 3 de março de 2022

Ariosto



"O amor é antes de mais nada um desejo violento do que nos escapa, como o caçador perseguindo a lebre no frio e no calor, por montanhas e vales; Desdenha-a ao alcança-lá e só a deseja enquanto a persegue na fuga"
( Ariosto)*

* Não sei quem é o Ariosto, nome curioso, nem tão pouco sei se a frase, por mim lida há momentos, é efetivamente dele, mas achei-a intrigante e, com o sono que ainda tenho na tola, tive de a ler duas vezes para lhe alcançar o pleno sentido.
 
Para o Ariosto o amor é simplesmente o prazer da conquista. E ponto final. Não estará este Cagliostro a confundir amor com sedução?

Parece que o Ariosto compara o mecanismo do amor com os princípios de Ivan Pavlov, o psicólogo russo que conseguiu associar um estímulo com uma origem natural estabelecida - o reflexo condicionado.
 
O chamado estímulo-resposta, identificado por Pavlov, ainda é utilizado, com celebrada eficácia, em escolas de treinamento de cães. Mas, deixem-me que lhes diga. O que tem o amor a ver com isto? Qual é a relação entre um animal e uma mulher? O homem é o caçador e a mulher a presa? A perseguição da presa põe o homem a salivar e desmotiva-o quando a alcança? Que tonteira mais absurda senhor Ariosto. Cuide-se. Faça terapia.