sábado, 29 de fevereiro de 2020

Karamba!


Raro é o dia em que estaciono o carro em alguma rua da cidade e não encontro no pára-brisas um papelucho qualquer. Umas vezes é um sucateiro, ajuizando ser o meu automóvel candidato a um dos artigos que vende, que se oferece como comprador do mesmo; outras vezes, na sua maioria, são panfletos de publicidade, sendo por mim mais odiados, os dos videntes que anunciam possuir a cura para todos os males.

Estou farto destes "professores" Karamba, Karajali, Mamadu, Banora, Fofana, Samba, Karrassa e Salimu, dos "doutores" Sídia e dos "mestres" Cardri, Kaba e Bangal, que se dizem astrólogos, médiuns e videntes africanos, dotados de sortilégios de feitiçaria, capazes de sanar todos os males com resultados garantidos.

Impotência sexual, doenças de todo o tipo, mau olhado, invejas, falta de dinheiro, amores não correspondidos, tudo cabe no seu cardápio.

Triste realidade é a que de facto existem pessoas, seja por ignorância extrema, imensa vulnerabilidade, ou desespero limite, que gastam fortunas, por vezes até a exaustão dos recursos próprios e/ou alheios, na esperança de ver os seus problemas resolvidos. 

Quando a racionalidade vacila e a pouca sorte toma conta da vida das pessoas, especialmente as menos instruídas, com um maior grau de exposição à manipulação, facilmente cedem à fantasia de que a solução dos seus problemas reside algures no irreal. E é aí que esta cáfila de feiticeiros parasita, para ganhar a vida à custa do sofrimento e da desesperança dos incautos.

Estes "videntes" africanos não diferem, na sua génese, das seitas que pulsam por todo o país, prometendo milagres a quem lhes fizer oferendas em dinheiro. Ao abrigo da liberdade de expressão e do culto religioso, a sociedade laica não pode reprimir a existência destes flibusteiros, reis do engano e da manipulação, sob pena de coartar direitos constitucionalmente garantidos e poder abrir graves precedentes. Mas a fronteira entre a publicidade enganosa, conducente a graves lesões no património e saúde das pessoas (que pode ser sancionada penalmente) e a liberdade de expressão religiosa e de adesão a tais grupos e/ou pessoas, é ténue. Por vezes só casuisticamente se pode aferir quais os direitos que carecem de proteção e justificam o sacrifício de direitos com menor tutela jurídica.

A simples constatação de que estes indivíduos, sejam particulares ou organizações, existem e prosperam, é por si só alarmante. Se estão atuantes e se publicitam este tipo de serviços é porque existe demanda. É confrangedor é a existência, no Portugal do século XXI, de pessoas que ainda recorrem a este tipo de expedientes, como solução para os seus problemas e, como carneiros a caminho do matadouro, placidamente lhes entregam tudo o que têm.