quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Ação de despejo



Hoje é finalmente o dia da transladação dos restos mortais do ditador Franco do Vale dos Los Caídos, a cerca de 40 kms de Madrid, para um cemitério nos arredores da capital. Ainda assim, a operação vai custar 60 mil euros aos contribuintes espanhóis - ao que se sabe, o estado espanhol nunca pagou indemnizações às famílias das vitimas do franquismo.

Finalmente, as vítimas da ditadura franquista em Espanha vão deixar de pagar com os seus impostos o túmulo do ditador e oxalá seja o início de um governo que se responsabiliza em ajudar as vítimas da ditadura, a identificá-las e entregar os corpos às famílias. Em Espanha, mais de 100 mil pessoas continuam desaparecidas

O Vale de Los Caídos, um lugar idílico que já visitei por diversas vezes, mandado erigir pelo generalíssimo Franco em homenagem às vítimas da guerra civil, foi totalmente construído por prisioneiros políticos, em trabalho forçado. Sinistro seria manter o ditador sanguinário nesse pedestal.

sábado, 19 de outubro de 2019

Os amigos da caneta



Nos idos anos 70 do século passado, ainda as redes sociais e a Internet não tinham sido inventadas, mas decerto já sonhadas, existia um sucedâneo das atuais redes sociais, muito popular à época. Refiro-me ao "Global Penfriends".

Constatei que a organização ainda existe, mas com um espírito totalmente comercial, longe da natureza desinteressada dos seus primórdios. Fruto da globalização e da infestação capitalista que nos rege, transformou-se numa rede internacional de contactos, à semelhança de tantas outras, onde se paga para ver e contactar perfis.

Na minha juventude, os amigos por correspondência, os chamados pen-friends, eram pessoas com as quais nos correspondíamos através de cartas, geralmente de correio aéreo. O pen pal (literalmente: amigo de caneta) era alguém com quem comunicávamos, por vezes, durante largos anos, sendo raros os casos em que nos conhecíamos fisicamente, apesar das mútuas promessas nesse sentido.

Bastava fazer uma inscrição, que era enviada por correio, julgo que gratuita ou com um preço simbólico, escolher as idades, o género das pessoas e os países com os quais nos queríamos corresponder. Depois, recebíamos moradas e perfis de pessoas que encaixavam nas nossas preferências. Gastava-se somente o dinheiro do selo, do envelope "air-mail", a tinta da caneta e o papel de carta.

Nos anos 70, imediatamente após o 25 de Abril, a música pop/rock, até então com difusão mitigada em Portugal, fazia as delicias da juventude. O interrail, o conhecimento de "novos mundos", as vindimas em França - forma expedita de ganhar dinheiro suficiente para viajar - a ida a Londres, capital mítica do pop/rock e da moda juvenil, faziam parte do imaginário dos guedelhudos, de calças à boca-de-sino, com missangas nos pulsos e bornais militares a tiracolo, em que eu me inseria.

O conhecimento da língua inglesa, falada e escrita, era o passaporte natural para os jovens que recusavam fazer parte de uma geração retrógrada e alheada do "real world" que acontecia lá fora. Para muitos da minha geração, os pen-friends foram a forma expedita de praticarem o inglês, conhecerem estrangeiros/as, apaixonarem-se virtualmente, fazerem promessas vãs, por vezes, juras de amor, pregarem algumas mentiras dificilmente verificáveis e colecionarem fotos de lindas suecas e inglesas, que eram passadas de mão em mão no pátio do liceu.

Cheguei a ter 12 pen-friends, que iam desde a Suécia até à África do Sul e penso que a quase todas prometi um dia as visitar pessoalmente. Nunca me aconteceu conhecer fisicamente uma pen-friend, até porque, com o avançar da idade, os meus interesses começavam a focar-se em realidades mais tangíveis. Sei, no entanto, de casos em que os pais financiaram viagens a certos meninos, para que estes pudessem ir conhecer as suas princesas longínquas. Pelo menos num caso que sei, deu em namoro, mas apenas durante o período da visita.

Independentemente da ingenuidade inerente, recordo o tempo dos pen-friends como uma época fantástica que em muito contribuiu para preencher o meu imaginário e consolidar alguma fluidez na escrita do inglês. Ainda guardo numa caixa as muitas dezenas de cartas que me foram remetidas, bem como muitas fotografias de lindas jovens com os penteados da moda 70s. De vez em quando, em dia de arrumações, lá tropeço numa das caixas e releio com deliciosa vontade as missivas que me enviavam.

Num dia em que eu já não esteja, atirem para o lixo tudo isso e mais alguma coisa. As coisas que nos importam, só têm a medida da importância que dada por nós mesmos. Esses tempos foram saborosos e não voltam mais. Vivemos noutra dimensão, não necessariamente melhor.
 

sábado, 5 de outubro de 2019

Um desejo



Não quero uma grande história de amor, daquelas complicadas, com desencontros, reencontros e lágrimas à mistura. Quero uma história simples com sorrisos e abraços sinceros.

Não quero um amor com dor e sofrimento na esperança de um final feliz. Quero ser feliz todos os dias, nas coisas simples do dia-a-dia, nas atitudes, nas conversas e até nos silêncios.

Não quero dramas, nem discussões, ainda que com pazes à mistura feitas de promessas vazias. Quero tardes calmas com conversas assertivas e manhãs serenas, na quietude dos teus braços.

Não quero incertezas, nem atitudes sem consequências, ainda que vividas com paixão ou loucura. Quero a intimidade que vem da confiança, de amar sem preconceitos, nos limites da loucura dos sentidos.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Português para estrangeiros





Este ano repito uma experiência letiva, desta vez na Universidade Senior de Pataias, que já havia tido, há alguns anos atrás, por diversas vezes, com crianças e jovens de diversas nacionalidades: o ensino de Português/iniciação para estrangeiros.

Contava ter no máximo 4/5 alunos, mas compareceram na minha primeira aula catorze. São, com exceção de um suíço, o Jean, casado com uma portuguesa e que bem conheço das caminhadas, todos franceses e residentes no concelho de Alcobaça, que escolheram o nosso país para morar e gozar a merecida reforma.

Quando ensinei Português a crianças russas e ucranianas (nos anos 90) e, posteriormente, a jovens de diversas nacionalidades no SPEAK, registei a imensa facilidade que tinham na aprendizagem. Era tudo fruto - mais do que da motivação pessoal, que em alguns era pouca - de uma fabulosa capacidade de raciocínio e memorização, própria de cérebros novinhos em folha. Alguns jovens, com estudos superiores quase terminados, eram naturalmente os ases da classe.

Nos seniores passa-se exatamente o contrário: à menor capacidade de rápida aprendizagem, contrapõe-se uma muito maior motivação e responsabilidade - assim espero.

Penso que todos eles têm plena consciência da enorme barreira colocada à sua integração, decorrente do facto de não falarem português. A tendência é juntarem-se em colónias de francófonos, residentes nas proximidades, e auto-excluírem-se do restante tecido social.

Para alguns, a comunicação com a comunidade tem-se resumido, como me confessam, às palavras suficientes para terem uma vida funcional: ir à compras, ao médico, ao café ou ao posto de combustível. Em tudo o resto, por desconhecimento da língua, vivem alheados da realidade que os circunda, .

Cabe-me a mim como professor incutir-lhes um espírito de resiliência, mas terão de ser eles mesmos a medir os seus progressos e a esforçarem-se por querer ir sempre mais além, conscientes que estão dos benefícios que podem colher do facto de aprenderem Português.

Cada um vai fazer bem a sua parte. Assim espero.