domingo, 31 de janeiro de 2021

In Diário de um Pandémico



Como se não bastasse o confinamento, este fechamento imposto, como se fossemos todos monges e monjas em clausura conventual - que, recorde-se, é uma opção individual, tomada em liberdade, um modo de vida, subsequente ao voto religioso que lhes deu a obrigação de não mais saírem do seu Mosteiro ou Convento, muito diferente do não voluntarismo da atual situação - os meus vizinhos, à falta de vontade de se dedicarem a exercícios mais silenciosos tais como: ler, escutar música ou fazer exercícios físicos caseiros, decidiram dedicar-se em bloco à hard bricolage.

Desde muito cedo, as marteladas e o som dos berbequins ecoam pelo edifício, aumentando a tortura psicológica de quem já padece os tormentos de não poder sair de casa. Na sua maioria, quase que aposto, são pessoas que se dedicam a atividades semelhantes no seu dia-a-dia e, carentes de imaginação, tentam recriar em casa, as únicas produções que conhecem: o escopro o martelo e/ou a broca em alta rotação.

" O "ruído de vizinhança" é o "ruído associado ao uso habitacional e às atividades que lhe são inerentes, produzido diretamente por alguém ou por intermédio de outrem, por coisa à sua guarda ou animal colocado sob a sua responsabilidade, que, pela sua duração, repetição ou intensidade, seja suscetível de afetar a saúde pública ou a tranquilidade da vizinhança. "

"As obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços que constituam fonte de ruído "apenas podem ser realizadas em dias úteis, entre as 8 horas e as 20 horas"

In "Lei do Ruído"

Dentro do quadro legal estabelecido, tenho o direito de chamar as autoridades para autuarem os meus vizinhos do berbequim, à semelhança do que eles mesmos me fizeram, só porque, uma noite, há anos atrás, me descuidei a tocar guitarra para além do horário regulamentar. Nem se dignaram tocar à minha campainha, para que eu pedisse desculpas e cessasse de imediato o ruído. Simplesmente, por comodidade cobarde, telefonaram de imediato para a PSP.

A vendetta não faz parte do meu feitio e só espero que o barulho cesse para que eu possa ter alguma tranquilidade de novo.

Nunca mais me esqueço de um vizinho que tive no Barreiro, há muitos anos atrás, amante de motas, como eu, mas, sobretudo, mais interessado em as desmanchar e modificar do que propriamente usufruir do prazer de conduzir um motociclo no meio de uma serra, sorvendo o ar fresco da manhã.
 
Como as queixas se avolumavam face ao barulho ensurdecedor que provinha da casa do dito condómino, veio-se a descobrir que ele tinha pelos menos três motorizadas desmanchadas numa marquise ( o presuntivo mecânico morava num quarto andar) e todos os fins de semana dedicava-se a desmanchar motores, retificar peças e proceder a operações de soldadura. Diz, quem viu, que ele tinha as motorizadas todas desmanchadas, centenas de peças embebidas em óleo, espalhadas por vários tabuleiros, numa comprida varanda fechada, entretanto transformada em oficina. E, para além de garrafas de oxigénio para soldar, também por lá existiam maçaricos de corte, óleos diversos e um bidon com gasolina.

Pior (ou não) do que isto, só consigo recordar histórias verossímeis de pessoas que, no Miratejo, localidade situada numa freguesia da cidade de Almada, nos anos 70/80, mantinham asnos, mulas e cavalos dentro de casa, ou que faziam fogueiras comunitárias no chão dos apartamentos cedidos pela Segurança Social. As banheiras, entretanto colocadas nas varandas para plantio de couves e outros géneros alimentícios, eram um mal menor.

Não acredito que existam situações semelhantes às descritas no meu prédio. Creio, outrossim, que este confinamento, por todos reconhecido como absolutamente necessário para colocar um travão à disseminação de um vírus diabólico, tem contra indicações e efeitos secundários. E não há ninguém que deles não se esteja a ressentir. Uns furam paredes, outros martelam, outros gritam com as mulheres ou com as crianças. Uma coisa é certa: fechados em casa, os meus vizinhos tornaram-se piores do que eram antes.



domingo, 17 de janeiro de 2021

Volta, Sebastião José de Carvalho e Melo!



Esta situação que vivemos atualmente é tão suis generis que, creio, nem o melhor guião de um filme de ficção cientifica conseguiria a capacidade imaginativa para esboçar uma história idêntica.

Portugal passou de país exemplar aos olhos do mundo, em termos de infeções e boas práticas sanitárias, mencionado com destaque na imprensa internacional, para a nação que no mundo tem atualmente mais infetados por cada milhão de habitantes. E esta é a realidade com que hoje nos defrontamos.

É triste. É dramático. A verificar-se uma saturação total nos hospitais, como se anuncia para breve, no limite, muitas pessoas vão morrer, seja por Covid, seja por qualquer outra patologia que não possa ser socorrida por falta de meios humanos.

Ninguém conseguiria imaginar que os anos 2020/2021 trariam esta catástrofe ao mundo, já que desde há muito tempo (cem anos, pelo menos) a Humanidade não conhecia tamanha tragédia sanitária. 

A pneumónica, a tuberculose, a tosse convulsa, a febre tifóide, a cólera, a peste medieval, que dizimou 2/3 da Europa, são histórias do passado, derrotadas pela pujante ciência e pelas miraculosas vacinas, entretanto desenvolvidas e generalizadas.
 
Os irmãos da minha mãe, no início dos anos 50, faleceram quase todos com tuberculose. Ela, hoje com 86 anos de idade, ainda recorda essa mácula associada à sua infância. A penicilina, além de rara, pois só mais tarde viu o seu uso generalizado, era administrada apenas a quem tivesse grandes posses económicas. Uma grama custava uma fortuna.

Muitos de nós, onde eu me incluo, com a habitual sobranceria que caracteriza a espécie humana, no que respeita a eventualidades deste género, julgávamos que a probabilidade da disseminação generalizada de uma doença mortal fosse, nos dias de hoje, algo impossível de acontecer. Só mesmo no cinema, nos filmes catástrofe, para os apreciadores do género.

Cada um de nós vive esta situação de acordo com a sua forma própria de subjetivar o que está a acontecer. Uns refugiam-se na família nuclear, outros, solitários, como eu, procuram manter hábitos desportivos - mens sana in corpore sano - para obstar ao fecho dos ginásios e de todas as atividades grupais, onde se incluía a prática das caminhadas em grupo, que muito aprecio.

Enquanto há vida há esperança e acredito que, depois de muitas mortes, onde eu próprio posso vir a estar incluído, as vacinas vão começar a surtir efeito, a imunidade na comunidade vai surgir e o Covid será depois apenas mais um vírus, a integrar a coleção de tantos outros que nos rodeiam. Só que domesticado, sem a parte selvagem e letal que ainda o caracteriza.

Há por aí muitos saudosistas do fascismo que passam a vida a suspirar e a dizer que faltava cá era o Salazar. A meu conselho, matem-se e vão ter com ele ao Inferno, pois é onde provavelmente o encontrarão.

Eu não alinho com os que dizem que faz cá falta o ditador de Santa Comba, mas um pragmático como o Sebastião José de Carvalho e Melo, com os tubaros no sítio, para enterrar os mortos e cuidar dos vivos, seria bem-vindo. Acontece que o dito marquês morreu há mais de 300 anos - aqui bem perto, em Pombal, na Quinta da Gramela - mas com tanto pensamento mágico que vejo aqui pela rede social, quem sabe não vai alguém reencarnar o saudoso nobre e salvar-nos a todos desta pestilência?!


domingo, 10 de janeiro de 2021

Saudades da minha Vilar

Hoje, antes do confinamento geral e obrigatório, que ocorre às 13h00, voltei aos meus passeios de bicicleta pelo percurso do Pólis, à beira do Lis, antes de me fechar em casa, onde aliás já me encontro.
Uma vez que estava sozinho, pedi a um transeunte que por ali deambulava o favor de me fotografar, pois a imagem que eu pretendia ( o castelo ao fundo e o lago maior) seria impossível de obter por meios próprios. Recebi um não categórico e um conselho para pedir a outra pessoa. Agradeci na mesma, delicadamente e sem qualquer rancor, pois, sinal dos tempos em que vivemos, até receio temos de tocar objetos alheios. Depois, sem grande pânico, uma simpática senhora fez o favor de me fotografar.
A escolha da cor da minha atual bicicleta, vermelho vivo, não foi alheia ao facto de, há quase 53 anos atrás, por ocasião do meu aniversário, ter ganho de presente uma Vilar vermelha, com selim branco, pneus tamanho 20, toda em ferro, pesada como chumbo, mas resistente e fiável como nunca outra conheci. Felizmente, ou não, já não se fazem velocípedes assim. Eram fabricadas em Águeda, à época, a terra das bicicletas; e penso que a região ainda mantém grandes tradições na área do ciclismo, pois o maior velódromo de Portugal fica para aquelas bandas.
Com essa bicicleta, a partir dos 7 anos de idade, desde Almada, a maioria das vezes sozinho, pedalei até à Costa da Caparica, seguindo-se a Fonte da Telha, Lisboa, Cascais e Sesimbra, sem contar os inúmeros quilómetros que fazia todos os dias perto de casa.
Éramos inseparáveis até o tabaco entrar na minha vida e ter expulsado a Vilar para um canto da dispensa lá de casa, a ganhar teias de aranha. Foi mais tarde oferecida por mim ao filho da nossa empregada, que certamente lhe deu melhor uso. O tabaco, entretanto, só foi definitivamente banido da minha vida há 20 anos.
Nesta manhã fria, pedalando à beira rio, a minha mente ocupou-se destes pensamentos, enquanto ziguezagueava por entre os passantes para não atropelar ninguém; e, por fugazes momentos, revi-me naquele rapazinho franzino, que pedalava furiosamente uma Vilar vermelha pelas ruas de Almada e pelos pinhais da Charneca da Caparica, com os joelhos sempre esfolados das quedas constantes, mas com um sorriso de felicidade estampado no rosto. A felicidade, imagem de marca da inocência, habitava-me naqueles tempos.



sábado, 2 de janeiro de 2021

Mensagem facebuquiana de ano novo

Em cada ano novo que começa, temos por uso e costume modificar algumas coisas nas nossas vidas. Não era por acaso que dantes, simbolicamente, muita gente atirava pela janela mobílias velhas e outros monos diversos. Era uma forma de se desligarem de coisas que não lhes faziam falta e, pelo contrário, só lhes traziam atrapalhações desnecessárias; e também a afirmação de um (re)começo marcado por diferenças positivas.
As redes sociais, da forma como as encaro, têm a virtude excelsa de me possibilitarem fazer novas amizades - tenho conhecido pessoas admiráveis que, de outro modo, jamais tal teria sido possível.
Tudo isto, para além do contacto fácil e imediato com pessoas que me são afetivamente próximas, bem como a possibilidade de exprimir, através das minhas publicações, a pessoa que realmente sou.
Exprimo subjetividade, não crio bonecos de mim mesmo, ou falsas representações, como vejo muito por aí plasmado, nem reproduzo, em repeat, "frases fofinhas de famosos" e mensagens fantásticas de auto-ajuda e encorajamento - na maioria das vezes com atribuições de autoria completamente falsa e/ou inverosímil - pese embora, como é evidente, por assertividade e dois palmos de testa, que julgo possuir, não exponha as minhas misérias e fraquezas para sufrágio do público. Publico o que julgo poder ser mostrado.
O conteúdo dos meus postes ou são da minha autoria ou, caso contrário, os créditos estão sempre identificados. Aceito e vejo como um ato de liberdade individual, publicações com postes requentados, sempre de autoria alheia, retirados de sites propositadamente criados para gente sem imaginação criativa ou ineptidão para a expressão subjetiva.
Não me identifico com Humberto Eco, escritor italiano e inteletual de enorme craveira, que já não está entre nós, oligárquico e elitista assumido, quando, numa entrevista, acentuou a ideia de que "as redes sociais vieram dar voz aos imbecis"
Vivemos, pelo menos na parte ocidental do globo, num mundo democrático e o facto de as redes sociais terem dado a possibilidade a (quase) todos de terem um espaço para se exprimirem, foi o expoente máximo de uma das liberdades democráticas que mais aprecio: a liberdade de expressão.
Neste novo ano de 2021, irei continuar a desconectar "amizades" que não comunicam comigo, jamais interagem; ou, nos casos em que não existe, sequer, a remota possibilidade de um dia a virtualidade passar a um plano presencial - que é o único que realmente me interessa e traz sentido à vida.
Existe uma exceção que são as figuras públicas, que admiro, e cujas vidas (públicas) gosto de seguir. Para eles, serei sempre um "Escuta Zé Ninguém", um anónimo que eles, sem se darem conta, extasiam, mas que dispensa a existência do conhecimento pessoal.
Um bom ano para todos os amigos e amigas e desculpem esta minha franqueza. Sintam-se à vontade para me fazerem o mesmo. Tudo fica mais límpido.

Bem hajam!