quarta-feira, 15 de julho de 2020

Trabis



Em 2009 estive em Desden, situada nas margens do Elba, junto à fronteira com a República Checa, cidade massacrada pelos bombardeamentos aliados durante a II Guerra Mundial, que, em três noites, tiraram a vida a mais de 25.000 pessoas, na sua maioria idosos, mulheres e crianças.

Para além da enorme beleza paisagística - após o intenso bombardeamento, restaram incólumes poucas das suas pérolas arquitetónicas - a cidade distingue-se pelos seus célebres museus de arte e pela arquitetura clássica da cidade velha, entretanto reconstruída.

Há 11 anos atrás, ainda pude ver as crateras deixadas pelas bombas de fragmentação e fósforo largadas pela RAF e a azáfama da reconstrução em curso de vários edifícios. Falei com pessoas idosas - eram crianças quando a tragédia aconteceu - e pude escutar na primeira pessoa relatos assombrosos de milhares de pessoas queimadas vivas.

Foi em Dresden que, pela primeira vez, vi vários "Trabis". Outrora a cidade pertencia à DDR e o Trabant, pelo seu preço, era o automóvel mais popular entre os habitantes da Alemanha Oriental.

Os Trabant foram produzidos em Zwickau, na antiga DDR, entre 1957 e 1991. Após a queda do Muro de Berlim, em 1989, os "Trabi", como carinhosamente foram apelidados, tornaram-se, mais do que um ícone, um símbolo automobilístico da antiga Alemanha Oriental, representando a clivagem entre a tecnologia ocidental e o obsoletismo dos países satélites da antiga URSS.

Hoje, para meu grande espanto, aqui na cidade do Lis, deparei-me com dois Trabant 600, com matrículas búlgaras, resplandecendo ao sol. E recordei a visita à lindíssima cidade de Dresden, nas margens do Elba, onde um dia conto voltar.


terça-feira, 7 de julho de 2020

Morte às touradas!



Assisti recentemente ao debate entre o Miguel Sousa Tavares e a deputada do PAN Inês Sousa Real, sobre a questão do financiamento público das touradas. É hoje que a Assembleia da República vai votar cinco projetos-lei, que pretendem terminar com o financiamento público aos espetáculos tauromáquicos. Virá o tempo em que se sufragará a abolição deste inominável espetáculo; e espero estar vivo para assistir a esse momento glorioso, onde a paixão pelos animais e a plenitude dos valores humanistas pugnará finalmente na nossa sociedade.

Admiro o MST como escritor, aliás, li praticamente todos os livros que escreveu e que muito me inspiram no que à arte da prosa respeita. No entanto, e porque "não há bela sem senão", o homem não deixa de ser uma besta. Uma besta insensível, passo a redundância (haverá bestas sensíveis como na "Bela e o Monstro"?), que se pauta por valores marialvas, aplaude tradições sádicas, como a tourada e pratica a caça como atividade desportiva. E para sustentar os seus inconfessáveis gostos, usa argumentos incríveis e tece comentários patéticos, tais como: " para quando proibir os passarinhos nas gaiolas?".

Sou absolutamente contra as touradas e entendo que nem todos os aspetos culturais sejam recomendáveis. A tourada não é cultura, quanto muito uma cruel tradição. A prática de espetáculos ou desportos que envolvem atos de crueldade assumidos sobre pessoas ou animais são, na verdade, reprováveis.

Crueldade tamanha é retirar o touro do seu habitat, enfia-lo numa camioneta durante horas (onde perde 10% do seu peso), ficar fechado outras tantas horas numa praça de touros, ver as pontas dos seus chifres serem serradas a frio, ser picado, torturado e depois ser lançado numa praça, para gáudio de uma minoria aos berros que se entusiasma de cada vez que um ferro, ao som de música da morte, lhe perfura a carne. Isto sim é barbárie! E doentes são tanto os tauricidas como as pessoas que rejubilam com o sofrimento atroz do animal.

No caso da tourada, o que está em causa é o reconhecer que se trata de um espetáculo em que os animais são forçados a entrar e torturados sem qualquer motivo lógico e racional. Por isso, espero ver esta prática desaparecer a breve trecho e que, ainda por cima, vive à conta dos dinheiros públicos, dos cofres dos municípios e da RTP que transmite e promove estes espetáculos em horário nobre.

Se os contribuintes não pagassem através dos seus impostos a tauromaquia, possivelmente ela já teria desaparecido. Aliás, o Estado não pode nem deve patrocinar qualquer tipo de violência, seja ela de que índole for.

Quanto aos que vivem da tortura dos animais, que se dediquem a práticas mais saudáveis e, já agora, mas úteis à nossa sociedade.

Acabámos com a prática de os cristãos serem mortos nas arenas, banimos os sacrifícios de pessoas, as caças às bruxas, as mortes na fogueira, a tortura, a pena de morte, a caça aos elefantes, aos leões, às baleias, aos golfinhos, protegemos espécies em vias de extinção, lutamos por um ambiente sustentável e um mundo melhor, onde a tourada e quejandos não tem lugar civilizacional. Virá o dia!

Esteve muito bem a Inês Sousa Real, mulher inteligente, escudada em argumentos sólidos e racionais, que aguentou estoicamente os useiros e despatriados argumentos do marialva Sousa Tavares, que deve a brutalidade da sua personalidade ao falecido progenitor e a mestria na arte de escrever à doce Sofia de Mello Breyner que, se fosse viva, sentiria certamente vergonha de ver o seu filho defender tão bárbaro espetáculo.