sábado, 23 de julho de 2022
A rapariga do lenço à pirata
A distância de um abraço
domingo, 17 de julho de 2022
Um começo
Na medida em que o pior não é uma fatalidade é permitido termos esperança. E como o pior pode ser evitado, é urgente avançarmos com empenho naquilo que julgamos evitar a nossa infelicidade.
Para além do otimismo e do pessimismo, há sempre lugar para a esperança. Esta apoia-se sobre a confiança no possível ou no que poderá sê-lo. O tempo, de certa maneira, é uma criação do possível e é fácil entendermos que um dos grandes erros das utopias foi sempre o de tentar fixar, através da imaginação, o futuro ideal, o termo perfeito de qualquer história e até os meios para lá chegar. E tal forma de pensar, por vezes, impede-nos de apreciar com rigor o inesperado, o acontecimento que transforma o (nosso) horizonte previsível.
Mais grave que tudo é a tomada de consciência de não sabermos o que nos pode fazer felizes, nem quais os melhores caminhos para trilharmos. Resta-nos, então, a exuberante satisfação de podermos afirmar com veemência: «Eu não sei bem aquilo que quero, mas estou certo daquilo que definitivamente não quero.»
Para muitos, onde eu me incluo, só isto já é um começo, seja do que for.
Leiria - 2011
PS. Eu nem sei bem se hoje sou a mesma pessoa que escreveu isto. Penso que, nos entretantos da vida, arregimentei mais coerência.
sexta-feira, 15 de julho de 2022
Distração
Hoje, depois do treino no ginásio, completamente distraído com as minhas deambulações, entrei para dentro do chuveiro com os óculos postos e as sapatilhas calçadas. Felizmente percebi a tempo o meu lapso quando as primeiras bátegas me caíram na cabeça e fiquei com os óculos embaciados. Embora não tenha sido uma distração com consequências graves, concedo que “estar com a cabeça no ar” é um estado normal em mim e me tem acompanhado ao longo da vida, por vezes em situações recorrentes.
Já fui protagonista de diversos episódios risíveis, motivados pelo meu comportamento nefelibata, por sorte, sempre sem outras sequelas que não fossem provocar o riso nas pessoas que assistiram.
No local de trabalho: bater com o cotovelo ou o braço numa porta e pedir desculpas pelo facto; esquecer-me do código que desligava o alarme da porta da repartição e confrontar-me por diversas vezes com a chegada da polícia; entrar na casa de banho feminina; tomar o pequeno-almoço no bar e não pagar a despesa.
Na rua: tentar abrir a porta de um automóvel semelhante ao meu e depois ver-me confrontado com a chegada do proprietário; deixar o telemóvel em cima do tejadilho do automóvel e arrancar com o mesmo; abastecer e esquecer-me de ir pagar o gasóleo; por duas vezes, meter gasolina no depósito em vez de gasóleo.
No prédio onde moro: sair do elevador no andar errado e tentar abrir a porta do apartamento do inquilino que mora no piso superior ao meu; deixar a porta da garagem aberta com muitos valores lá dentro; deixar o molho das chaves pendurado na fechadura da caixa do correio ou na porta do meu apartamento, encomendar uma pizza e depois esquecer-me e estar a tomar banho quando o funcionário que faz as entregas toca à porta; deixar comida a fazer no fogão e só dar conta disso quando cheira a queimado; deixar a porta do apartamento aberta depois de chegar a casa com muitas compras.
Na música: esquecer-me, durante um concerto ao vivo, de um determinado acorde ou notas de um solo durante uma sequência musical; perder constantemente as palhetas e depois encontrá-las mais tarde no saco do aspirador, por vezes três ou quatro de cada vez.
No barco cacilheiro: durante o trajeto para Lisboa, deixar-me dormir e ser acordado por um dos tripulantes, para me informar que já toda a gente havia saído do barco e eu corria o risco de voltar para Cacilhas.
Se eu fizesse um esforço maior, tenho a certeza de que me recordaria de muitos mais episódios, com comicidade apreciável, que ocorreram ao longo da minha vida, mas isso tornaria o texto longo e quem sabe repetitivo.
Deixo propositadamente para o fim o relato de uma das cenas mais burlescas que protagonizei. O que vou contar aconteceu teria eu trinta e muitos anos e, já licenciado, frequentava à noite um mestrado na Faculdade de Direito de Lisboa. Durante o dia, trabalhava numa repartição notarial, na Avenida Defensores de Chaves, em Lisboa, onde era o ajudante principal da respetiva notária.
À época, morava na cidade do Barreiro e esta cena aconteceu durante o inverno, num dia ventoso e com bastante chuva, pois recordo-me que eu levava numa das mãos a mala com os códigos jurídicos e na outra um guarda-chuva.
Como era habitual, nesse dia, também levei o saco do lixo para despejar no contentor mais próximo, antes de entrar para o autocarro que me levaria ao barco. Ao chegar à repartição, por volta das 09h00, as minhas colegas começaram a comentar que cheirava muito mal e não sabiam de onde vinha o mau odor, até que uma delas me perguntou o que é eu tinha dentro do saco de plástico do Pingo Doce que trazia na mão.
As risadas duraram cerca de dois dias. Resultado: fiz os trajetos de autocarro na cidade do Barreiro, travessia de barco no Tejo, de novo autocarro em Lisboa e metro, sempre com o saco do lixo entrelaçado nos dedos da mão esquerda, juntamente com a pega da minha pesada mala preta.
Quem me está a ler estou certo de que a primeira ideia que lhe vem à mente é a de que eu, porventura, estarei enfrentando um processo de demência ou perda das capacidades cognitivas. Poderia ser o caso se eu não tivesse ao longo da minha vida sido sempre assim. Quando me ponho a pensar, por vezes, desligo-me do mundo físico que me rodeia e sento-me em cima de uma nuvem. Uma nuvem que segue navegando com a brisa ligeira.
quarta-feira, 13 de julho de 2022
O intelectual
Um intelectual, para o senso comum das pessoas, é alguém votado ao estudo profundo das coisas e artilhado de uma grande cultura; mas, não raras vezes, já ouvi a expressão ser empregue com um sentido pejorativo: «Estás armado em intelectual?»; «Aquele tem a mania que é intelectual!...»; como se gostar da leitura e do saber, alimentos essenciais do espírito, fosse sinónimo de presunção, pecado, ostentação, vaidade, e algo de que nos devamos envergonhar e esconder dos que nos rodeiam, como se fôramos portadores da peçonha.
O intelecto ou a inteligência - e julgo que esta noção é pacificamente aceite por todos – é a capacidade de adaptação e domínio de novas situações, a possibilidade de “fuga” ao determinismo biológico, ultrapassando a limitação das respostas meramente reflexas que são mais próprias dos animaizinhos. Nós reunimos as duas opções e é bom que façamos uso delas.
O conhecimento, então, resulta de uma dialética bem diagnosticada: o sinalagma: sujeito/ objeto.
Enquanto a função do sujeito consiste em apreender o objeto tornando-o presente a si próprio, a função do objeto é meramente passiva: deixa-se apreender dando conteúdo ao que é apreendido pelo sujeito.
A experiência de cada um mostra que há para o homem dois modos ou graus de conhecimento: o conhecimento sensível, singular e concreto; e o conhecimento intelectual, universal e abstrato; e toda a Teoria do Conhecimento, que estudámos nas velhas lições de Filosofia, valora exatamente a análise da experiência, o que implica a decomposição desta nos seus elementos: sensação, intuição e pensamento.
Mas toda esta verborreia não elucida ninguém, incluindo eu próprio, sobre o que afinal vem a ser um intelectual.
Um intelectual pode ser efetivamente alguém dotado de um grande afã de sapiência e, por essa via, dotado de uma cultura superior – que dista da mediania - tornando-se uma pessoa interessante; ou pode ser alguém que abomina as vias-sacras do futebol, dos copos, das putas e do vinho verde, dos tunnings e dos turbos, das revistas de informática, das discotecas com “muitas gajas”, das novelas da noite e quejandos e, em sintonia com essa negação absoluta e fundamental, resultar num ermitão, chato como a potassa, voltado unicamente para as leituras, e consagrado a essas iguarias que lhe alimentam o apetite voraz pelo saber.
Ou, num notável registo de ecletismo, um intelectual pode ser ambas as coisas. São estes, em boa verdade, os mais bem aceites e tolerados pelas claques que «abominam intelectuais» - o mais das vezes por não o serem e sentirem-se inferiorizados por via desse facto - pois conseguem conjugar vernáculos, palavreado apócrifo,”bojardas” plenas de graça, com uma erudição de se lhe tirar o chapéu. E como dignos representantes desta Escola de Feitores das Letras, que agradam a gregos e a troianos, temos as figuras paradigmáticas do Miguel Esteves Cardoso, do Pedro Paixão – a maltinha da “massa cinzenta” – a que se quer juntar um tal Rui Zink - esse ápex da escrita que também se quer fazer passar por maluco, mas que escreve tão mal, desajeitadamente e sem graça, que, a não ser como apoderado e lacaio dos outros, não lhe vislumbro futuro nas letras.
Um intelectual – e tenho de forçar uma definição – é alguém que gosta com força, com muita força, de coisas que deleitam o intelecto, mais do que os sentidos, e apelam à formação de um astral criativo, pleno de curiosidades satisfeitas, que fazem do sonho um ato de permanência. E nós enriquecemo-nos deste modo: tanto com as denegações quanto com as confirmações que as nossas aquisições nos despertam.
sexta-feira, 8 de julho de 2022
Global Pen-Friends
Na minha juventude, os amigos por correspondência, os chamados pen-friends, eram pessoas com as quais nos correspondíamos através de cartas, geralmente de correio aéreo. O pen pal (literalmente: amigo de caneta) era alguém com quem comunicávamos, por vezes, durante largos anos, sendo raros os casos em que nos conhecíamos fisicamente, apesar das mútuas promessas nesse sentido.
Bastava fazer uma inscrição, que era enviada por correio, julgo que gratuita ou com um preço simbólico, escolher as idades, o género das pessoas e os países com os quais nos queríamos corresponder. Depois, recebíamos moradas e perfis de pessoas que encaixavam nas nossas preferências. Gastava-se somente o dinheiro do selo, do envelope "air-mail", a tinta da caneta e o papel de carta.
Nos anos 70, imediatamente após o 25 de Abril, a música pop/rock, até então com difusão mitigada em Portugal, fazia as delicias da juventude. O interrail, o conhecimento de "novos mundos", as vindimas em França - forma expedita de ganhar dinheiro suficiente para viajar - a ida a Londres, capital mítica do pop/rock e da moda juvenil, faziam parte do imaginário dos guedelhudos, de calças à boca-de-sino, com missangas nos pulsos e bornais militares a tiracolo, em que eu me inseria.
O conhecimento da língua inglesa, falada e escrita, era o passaporte natural para os jovens que recusavam fazer parte de uma geração retrógrada e alheada do "real world" que acontecia lá fora. Para muitos da minha geração, os pen-friends foram a forma expedita de praticarem o inglês, conhecerem estrangeiros/as, apaixonarem-se virtualmente, fazerem promessas vãs, por vezes, juras de amor, pregarem algumas mentiras dificilmente verificáveis e colecionarem fotos de lindas suecas e inglesas, que eram passadas de mão em mão no pátio do liceu.
Cheguei a ter 12 pen-friends, que iam desde a Suécia até à África do Sul e penso que a quase todas prometi um dia as visitar pessoalmente. Nunca me aconteceu conhecer fisicamente uma pen-friend, até porque, com o avançar da idade, os meus interesses começavam a focar-se em realidades mais tangíveis. Sei, no entanto, de casos em que os pais financiaram viagens a certos meninos, para que estes pudessem ir conhecer as suas princesas longínquas. Pelo menos num caso que sei, deu em namoro, mas apenas durante o período da visita.
Independentemente da ingenuidade inerente, recordo o tempo dos pen-friends como uma época fantástica que em muito contribuiu para preencher o meu imaginário e consolidar alguma fluidez na escrita do inglês. Ainda guardo numa caixa as muitas dezenas de cartas que me foram remetidas, bem como muitas fotografias de lindas jovens com os penteados da moda 70s. De vez em quando, em dia de arrumações, lá tropeço numa das caixas e releio com deliciosa vontade as missivas que me enviavam.
Num dia em que eu já não esteja, atirem para o lixo tudo isso e mais alguma coisa. As coisas que nos importam, só têm a medida da importância que é dada por nós mesmos. Esses tempos foram saborosos e não voltam mais. Vivemos noutra dimensão, não necessariamente melhor.
Amor antigo
Num tempo em que o amor morava na Pérola do Atlântico
Porto Moniz - Madeira - 2004
quarta-feira, 6 de julho de 2022
Há pouco mais de uma década, estacionado na 2ª Circular, em zona adjacente ao Aeroporto da Portela, fazia grande furor um Convair com quatro reatores, transformado em discoteca e depois em bar de striptease e alterne.
Dizem as crónicas da época, que o aparelho fazia tráfico de armas e aterrou em Lisboa por causa de uma avaria técnica. Uma vez que o problema não foi solucionado e por causa da ilicitude da carga, a tripulação abandonou o avião à sua sorte e bateu asas. Anos mais tarde, o aeroporto de Lisboa leiloou o aparelho, o qual acabou sendo arrematado por um empresário da noite, com negócios obscuros, que o transformou, primeiro em bar/discoteca e depois em bar de meninas.
Acontece que o dito empresário, dono do famigerado avião, morreu num atentado bombista (um engenho explosivo colocado no seu automóvel) e o Convair acabou mesmo na sucata.
Quem se lembra desta história rocambolesca?
(já escutei piadinhas/sugestões para rentabilizar parte da frota da TAP, entretanto parada à conta do Covid-19)
sexta-feira, 1 de julho de 2022
Azul, apenas...