quarta-feira, 30 de junho de 2021

Amigos



É um lugar comum dizer constantemente que todas as pessoas nos dececionam, mas assim como há pessoas que nos causam esse estado de amargura, outras há que nos surpreendem pela positiva; e outras, ainda, que confirmam tudo quanto já pensávamos delas.

Dizem que os amigos são para as ocasiões - e eu diria que cada vez menos sei quais são as ocasiões em que se deve apelar para os amigos e quais os amigos que se prestam e têm disponibilidade para nos acudir em dadas situações.

As amizades, com exceção daquelas mais antigas, que nos vêm da infância e nos acompanham ao longo da vida, acontecem-nos por zonas de interesse e ocupação, por empatias, por circunstancialismos, muitas vezes fruto do acaso, que nos surgem no trilho da vida. Tendemos a sentir empatia por pessoas que, julgamos, sentem o nosso pulsar, compreendem o nosso estilo de vida, as nossas perceções, possuem gostos semelhantes e objetivos que nos merecem sentido. E, por vezes, até os amigos vão sendo mais conjunturais, mais fruto das circunstâncias e das necessidades práticas de alianças, consequência de tumultos comuns que fazem com que duas vidas se cruzem no amparo da amizade recíproca.

Quando a nossa vida dá para o torto, quando os empregos falham, quando a solidão nos bate à porta, quando os divórcios ou o fim das relações amorosas acontecem e tudo se baralha dentro de nós, temos saudades dos amigos de outros tempos. É aí que escolhemos criteriosamente com quem podemos contar, de que modo e com que limites precisos, e descobrimos que nem todos os amigos são para todas as ocasiões.

É bom fazer amigos. Nos últimos tempos, em virtude da minha cada vez maior presença na música e também na poesia, tenho feito novos amigos. Nuns casos, trata-se de pessoas bastante mais novas do que eu, mas com uma forma de pensar lúcida e avisada, capaz de entender coisas que, julgava eu, só pessoas com a minha experiência de vida e maturidade conseguiriam alcançar. Noutros casos, são pessoas com idades próximas da minha, mas com vidas e saberes que me completam.

A vida tem destas coisas e nem imaginamos quão enriquecedor é permutar experiências, vivências, com personalidades diferentes.

Os mais velhos, contrariamente ao que diz a «sabedoria popular», também aprendem muito com os mais novos, especialmente quando se trata de pessoas que possuem uma mentalidade muito para além da sua idade biológica.

Gostei muito de ter feito novos amigos, pessoas que valeu a pena ter conhecido, para manter o contato e aprofundar a amizade, já que a vida tem uma duração aleatória e é demasiado preciosa para ser desperdiçada com seres sem luz e medíocres.

Cada vez mais me convenço que o dia-a-dia é feito de um contínuo destes pequenos acontecimentos: coisas que por vezes parecem não ter importância ou impacto, mas que vão dando cor e sentido ao fluir da vida e me fazem adivinhar que ainda há afetos a precisar de partilha, pessoas que gostam de gostar de pessoas e que esse é o maior desiderato da vida.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Eu sei que hoje é terça-feira

 


Eu sei que hoje é terça-feira porque passo de mota na rotunda junto ao mercado do levante - que é um mercado que se monta e desmonta todos os dias. Sim, um mercado onde os comerciantes, todos os dias, montam as suas bancas de manhã para à tarde as desmontarem – e ainda vejo os últimos feirantes a desfazerem o estaminé e a encherem até ao teto as carrinhas brancas com vidros foscos.

Disse-me um dia alguém, com conhecimentos nestes assuntos, que muitos feirantes, em especial os de etnia cigana, fazem das suas carrinhas brancas uma espécie de casas amovíveis, onde comem, dormem, fazem filhos e transportam o material que vendem, que é a principal fonte do seu sustento.

Não creio que este espírito nómada integral ainda esteja presente na maioria dos elementos desta etnia, apesar dos ancestrais costumes, pois felizmente a maioria já tomou consciência de que o sedentarismo, assentar arraiais, é necessário para que os filhos tenham educação escolar, tão essencial à integração social.

Dantes, e durante muitos anos, pelo menos até que um vereador mais iluminado, ou um funcionário subalterno com lampejos de inteligência, se lembrasse de mandar vedar o espaço do mercado com uma cerca, era costume, nos dias de feira, a cidade se encontrar envolta por sacos de plástico, que faziam evoluções e piruetas em rota livre, ao sabor do vento, até caírem no rio Lis ou espalharem-se pelas ruas circundantes.

Até dias recentes, operárias da Câmara Municipal, na sua grande maioria, senhoras com trajes verdes, fazendo vagamente lembrar as companheiras do Robin dos Bosques na charneca de Sherwood, com cabelos loiros e dentes d’oiro, diligentemente e com paciência de Jó - aquele fulano com uma paciência bovina que aparece citado num dos livros do Antigo Testamento – esfalfavam-se, duas vezes por semana, em correrias atrás dos malfadados sacos de plástico, que pareciam fazer-lhes fintas para não se deixarem apanhar.

Se lhes fosse perguntado, provavelmente nenhuma delas imaginaria que, deixando a Ucrânia, o seu futuro, entre outras coisas, passaria por bissemanalmente mover perseguições a sacos de plástico, durante longas horas, numa acolhedora cidade do midwest português.

A captura destas perigosas espécies poluidoras, proscritas por todos os manuais de ecologia, fazia-se quase sempre com sucesso, pese embora alguns saquinhos se escapulissem para longe do seu atento olhar. Os indómitos plásticos, não raro, passeavam-se nos dias seguintes pelo casco histórico da cidade, enrolando-se nas plantas e floreiras, terminado quase sempre a sua errática viagem na correnteza do Lis.

A maledicência é frequentemente o lugar-comum da crónica, pois a escrita é muitas vezes um exercício individual de catarse - o imperioso desabafo. Mas sabe bem mudar este estado de coisas, dizer diferente, fazer outra coisa.

Eu gosto dos imigrantes, daqueles que vêm para o nosso país para trabalhar, que se integram e passam a amar o nosso mundo como se fosse deles também. Gosto da diversidade cultural. Ela enriquece-nos, muda de forma indelével a nossa maneira de perspetivar o universo e a nossa forma comezinha de pensar. O mosaico cultural e étnico é sempre enriquecedor.

Eu sei que hoje é terça-feira porque abro a porta de casa e encontro nas escadas do meu prédio as funcionárias que semanalmente se encarregam das limpezas do condomínio. São, também elas, na sua maioria, imigrantes, oriundas de África ou do Brasil, que trocaram a sua terra natal por um futuro melhor em terras lusas para si e para os seus. Ocupam os elevadores com baldes e esfregonas, regam as plantas sequiosas, sempre em alegre cavaqueira, com boa disposição contagiante e um sorriso plasmado no rosto. E deixam atrás de si um rasto de cheiro a lavado e perfume.

Se eu pudesse, voava, elevava-me, só para não pisar o chão limpo e molhado das escadas, tal o enorme respeito que sinto pelo seu trabalho.





sábado, 19 de junho de 2021

O efeito Dunning-Kruger

Você já ouviram falar do efeito Dunning-Kruger? É um viés cognitivo que leva as pessoas com menos habilidade e conhecimento a pensar que sabem mais do que as outras. Quanto menos elas sabem, mais pensam que sabem.

Muitas vezes, aqueles que têm esse problema tendem a impor as suas ideias, em vez de simplesmente dar uma opinião, considerando-as verdades absolutas. Os outros são vistos como totalmente ignorantes e incompetentes, mesmo que não o sejam.

No correr da vida, tenho-me deparado com muitas destas criaturas que, para além de manifestarem uma absoluta falta de humildade perante o conhecimento que outros demoraram vários anos, uma vida, a adquirir, são frequentemente arrogantes e irredutíveis.

O exemplo paradigmático é a crença popular, totalmente desajustada, de que no regime da separação de bens os cônjuges não são herdeiros um do outro.

Estudos recentes, por mim lidos, perceberam que, quanto mais incompetente era uma pessoa, menos consciente disso ela era. Enquanto as pessoas mais competentes, não raro, se subestimavam.

Daí o efeito Dunning-Kruger, segundo o qual pessoas com baixo nível de competência tendem a pensar constantemente que sabem mais do que sabem, considerando-se mais inteligentes.

Os casos típicos que têm acontecido ao longo da minha vida, são a frequência com que me deparo com os "juristas de café" - muito similares aos "médicos sabichões", que tudo sabem sobre doenças e prescrevem tratamentos para todo o tipo de maleitas - com perceções totalmente erradas de como funciona a Justiça, as leis, e afirmam que a uma determinada situação corresponde uma certa solução legal, seja porque "ouviram dizer" ou porque "a uma certa pessoa amiga aconteceu assim".

Longe vão os tempos em que me enfurecia com tamanha ignorância e, não sem uma certa ingenuidade, tentava explicar, em discussões desajustadas e infrutíferas, que a lei é muitas vezes diferente daquilo que dela se pensa.

Hoje já não perco tempo com criaturas que não estão abertas à dúvida, não evitando impor o seu próprio ponto de vista; e que, não aceitando a palavra de técnicos, que estudaram anos a fio para chegar a certo tipo de conhecimentos, continuam a insistir em crenças absurdas, com absoluto desdenho por quem realmente sabe.

Os ignorantes têm, como toda a gente, direito à vida, mas dentro da bolha de idiotice de que é formado o seu pequeno mundo, do qual não abdicam nem parece quererem sair.


segunda-feira, 7 de junho de 2021

Dá cá o bracinho

Meio milhão de pessoas não respondeu ao sms com a chamada para a vacina e, segundo li, essa atitude pode comprometer a meta do nosso vice-almirante de seringar cem mil almas por dia.

As razões serão de vária ordem. Admito que muita gente não quer efetivamente ser vacinada, quer por pertencer à classe dos negacionistas, ou por ter sucumbido aos medos dos "efeitos secundários" do imunizante, quando todos sabemos que as vacinas, desde o século XIX, têm assegurado a sobrevivência da humanidade.

A primeira vacina do mundo foi descoberta há 224 anos na Inglaterra. Edward Jenner iniciou o combate ao vírus da varíola e o processo foi descoberto 100 anos antes de que o mundo tomasse conhecimento sobre o que eram os vírus.

A varíola era uma ameaça gigantesca à humanidade e a batalha contra ela era travada há séculos. Sabe-se hoje que esta foi a doença viral que mais matou na história. Só para fazer uma comparação: o novo coronavírus tem uma taxa de letalidade global de 6,5%, a varíola tinha taxas de 30%!

Aqui para nós, que ninguém nos escuta e poucos nos lêem, a falta à chamada para as vacinas e a não adesão ao agendamento, deve-se mais à incapacidade funcional de lidar com o telemóvel do que a outro motivo qualquer, mormente a recusa firme de não ser vacinado. Estou em crer que os que não querem oferecer o bracinho à picadela constituem uma camada residual da população.

Todos sabemos, ou devíamos saber, que se não fossem as vacinas, doenças como a varíola, a tuberculose, o tifo, a malária, o sarampo, a poliomielite, para enumerar apenas algumas, a título exemplificativo, teriam dizimado camadas muito mais substanciais da população mundial. A esperança média de vida, não sendo igual em todos os países, pelos motivos que sobejamente conhecemos, nunca foi tão elevada e nunca a ciência foi capaz em tão curto espaço de tempo de descobrir e fabricar em larga escala um imunizante.

De pouco tem servido dizer que os efeitos secundários nefastos e letais decorrentes da vacina, têm acontecido numa escala ínfima e que os medicamentos que todos os dias tomamos, e deles abusamos, têm um potencial letal muito maior.

Tem razão o nosso vice - que, espero, no final do processo de vacinação, perca esse nefasto prefixo e seja finalmente promovido a almirante - para estar preocupado com a almejada média das cem mil vacinas por dia. Anda muita maltinha a boicotar as coisas e a lixar a meta da imunidade de grupo para agosto.

Eu se fosse comandante chefe da marinha tomava de assalto os bracinhos dessa gente toda e, gostassem ou não, levavam todos com a picadela ou não recebiam o subsídio de férias.


Uma ideia luminosa



Sempre que alguém apresenta uma ideia fraturante, que rompe com o mainstream do “pensamento correto”, esta espécie de papa-açorda de “ideias adequadas” em que nos movemos no dia-a-dia, é logo apelidado de freak, demagogo ou populista - o vocábulo agora mais em voga que muitos usam e abusam ad nauseam. Para grandes males, grandes remédios. Sempre assim foi, assim é, assim será. Um grande problema necessita de uma grande solução. E não é preciso ser iluminado para perceber isto.

A saúde das pessoas, por estar intimamente ligada ao valor Vida, porventura o bem maior defendido pela cúpula do nosso sistema legal, deveria ter uma prioridade absoluta. Por outras palavras, deveria ser gratuita. Numa sociedade ocidental, que pugna pela Democracia, pela defesa dos elementares valores humanistas, não são concebíveis cenários como aquele a que hoje assisti na farmácia perto da minha casa. Um idoso, pelos trajes humildes, presumivelmente bastante pobre, perguntou pelo custo dos medicamentos que constavam da sua receita. Após ser informado do valor de 75 euros, disse que queria levar apenas remédios até ao custo de 15 euros, pois apenas dispunha dessa quantia.

Não, desta vez não me ofereci para pagar, apesar de já o ter feito em algumas ocasiões semelhantes. A minha bondade tem limites. Apenas anoiteci o olhar e fiquei consumido por uma raiva inexplicável. Como é possível que em pleno século XXI, num Estado que se diz Social, um idoso, que porventura terá trabalhado a vida inteira e feito os seus descontos, não tenha uma reforma digna que lhe permita cuidar da sua saúde?

Mas este problema, e outros semelhantes, tem solução. A dificuldade não está na ausência de recursos, salvações, artifícios ou formas de resolver a questão, mas antes na absoluta falta de vontade de mudar o status quo (que, no contexto da minha conversa, significa “o estado das coisas” e não aquela famosa banda pop rock dos anos 70) em que todos marinamos.

Perguntam-me: onde vai o Estado arranjar dinheiro para tornar o Serviço de Saúde totalmente gratuito, pelo menos para todos aqueles que não possam pagar? A resposta seria simples, fosse eu um ministro plenipotenciário para resolver esta questão. Primeiro que tudo, despojava-me de medos perante os poderosos, as teias de interesses e corrupção, as cáfilas de gângsteres que secretamente financiam eleições e partidos políticos. Depois, fornecia o sistema de saúde através de impostos altíssimos sobre as grandes fortunas, confisco de bens obtidos através da corrupção, agravamento fiscal sobre o álcool, o tabaco e quaisquer formas de vícios lesivos da saúde e esbanjadores de recursos com o tratamento dos aditivados. Taxava de forma severa os grandes ordenados, desde futebolistas, a dirigentes desportivos, passando por estrelas televisivas e quejandos, sem esquecer pelo caminho de diminuir os salários e privilégios de toda a classe politica. Vendia, a bons preços, toda a frota automóvel do Estado que não fossem carros elétricos. Tornava tendencialmente obrigatório o trabalho, para os que pudessem e estivessem a cumprir penas de prisão, a fim de que custeassem eles mesmos a sua alimentação e eventuais despesas com a saúde - que são imensas e oneram bastante os contribuintes, já que, numa grande maioria, são pessoas com doenças crónicas.

Depois de acabar esta safra, com tanto dinheiro recolhido e ter obtido o suficiente para garantir a gratuitidade total da saúde para os que mais precisam, certamente me sobrariam uns quantos milhões. Com esse dinheiro, construía mais hospitais, centros de saúde e melhorava os já existentes. Se sobrassem uns tostões, construía mais parques nas cidades e investia ainda mais na cultura. Ora digam-me lá que não são excelentes ideias?

PS. Votem em mim se querem os vossos sonhos realizados.