segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A deceção



Dececionar é um verbo transitivo e pronominal e significa, grosso modo, a acção de causar, ou sentir, frustração ou tristeza quando algo esperado não acontece, ou quando alguém não corresponde ao que (dele/a) se idealizava. Por isso dizemos amiúde que certa pessoa nos dececionou, ou nos desapontou.

Eu sou uma vítima perene das deceções, seja por esperar demasiado dos outros, ou por ser naturalmente exigente com a solidez do caráter. Aceito, nos outros, mas muito menos em mim, os erros e as fraquezas, pois as considero irremediavelmente humanas. Mas a cobardia, a falta de frontalidade, o desvaloro do compromisso e da palavra dada, bem como a mentira viscosa, causam-me repulsas quase impossíveis de digerir.

Não acredito em santidades e julgo, inclusive, que quem almeja tais virtudes vindas dos outros, padece de uma vasta ingenuidade. Muito menos me vejo como um ser integralmente moral, isento de comportamentos censuráveis ou com doses de tolerância próximas de um beato. Mas, por muitas que sejam as imperfeições que me forram, em cada dia que passa, sei que tenho feito um esforço genuíno para melhorar como pessoa. E tenho a feliz certeza de que sou uma pessoa com mais qualidades intrínsecas, mormente, verticalidade e bondade, do que há uns anos atrás.

No entanto, a intolerância próxima do absoluto com falhas graves de caráter, continuam fora do alcance da minha ascese no caminho do melhoramento possível. O motivo para que eu não consiga mudar esta intransigência quase absurda, é o de simplesmente continuar a achar que estou correto.

E quando esse estado de não subsistência de dúvidas, no que ao comportamento dos outros respeita, perdura em mim, torno-me um "donno imobile", muito próximo da tolerância zero.



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Flash noturno




Nós tornamo-nos naquilo que pensamos, por isso, pensamentos negativos devem ser completamente banidos do nosso vocabulário mental, uma vez que funcionam com uma barreira e prejudicam a prossecução e alcance dos nossos objetivos...
Vou dormir, já agora, com pensamentos positivos.

Mata-se e esfola-se, assunto resolvido.


A propósito da noticia da mãe que, presumivelmente, terá cometido o crime de homicídio das suas duas filhas e que acusa o marido de violência doméstica e violação das meninas - uma já foi encontrada sem vida, a outra encontra-se desaparecida mas, provavelmente, terá sofrido o mesmo destino - já se levantam as vozes dos fazedores de opinião, arautos da vindicta privada e do julgamento e condenação antecipadas, "just because".
É incrível como o senso ético do nosso dia-a-dia se deixa condicionar fortemente pela presunção, ainda que forte, ignorando por completo a prova que, só depois de produzida, conduz ao julgamento por um tribunal e à aplicação da sanção adequada.
Ainda a verdade dos factos não foi apurada - até prova em contrário, a mulher goza da presunção de inocência "in dubio pro reu" (pode perfeitamente estar a mentir sobre muitos dos factos que alega e, face ao seu estado de saúde mental, não é de colocar de lado essa hipótese; ou ser declarada inimputável), já se acusa alguém como se tivesse havido um julgamento formal e feita a prova de factos, quando o que existem são apenas presunções fortes, indícios que carecem de prova a ser produzida em tribunal.
A decisão técnica aplicada, inteiramente correta, foi a da constituição da mãe como arguida, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de privação da liberdade ( a mais grave entre as previstas na lei penal), a mais adequada, aliás, para prevenir o perigo de fuga ou destruição de elementos de prova.
Não quero com isto dizer que, face aos fortes indícios, não venha a dar-se como provado o homicídio voluntário das meninas, bem como eventuais crimes cometidos pelo progenitor, mas tudo isso não basta para formular juízos sancionatórios.
A presunção de inocência é das garantias constitucionais mais fortes, e haverá poucas coisas menos censuráveis do que condenar um inocente ou manchar irremediavelmente a sua vida.
É da natureza dos "juristas de café" julgarem toda a gente na praça pública, com base em leituras de jornais, fazedores de opinião e manipuladores de mentes, e isso é algo que jamais irá mudar.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Geração do não desenrasca

Jamais empregaria a expressão "geração rasca", usada pelo jornalista Vicente Jorge Silva em 1994, num editorial do jornal Público, aquando das manifestações estudantis, para caracterizar a passividade de alguns jovens dos nossos dias, em relação às dificuldades da vida, pois acho-a ofensiva, manifestamente exagerada e, sobretudo, redutora. Eu próprio lido frequentemente, com jovens bastante empreendedores e responsáveis, gente que tem projetos e luta por eles.

No entanto, não há dúvidas de que, na sociedade portuguesa, uma fatia considerável dos adolescentes e recém adultos, cultivam a dependência em relação aos pais, o gosto pela futilidade e pelo facilitismo, os ténis e a roupa de marca, os smart phones, Ipads e restante parafrenália. Escolhem sem hesitações os "consumíveis, que não precisam ser mastigados pelo cérebro e pelo senso crítico, com que a selvajaria do marketing, sabendo antemão das suas vulnerabilidades, os bombardeia.

É comum os jovens de hoje em dia dizerem: "não tenho nenhum trabalho, pois não consigo encontrar um que me satisfaça".

Nos meus tempos de juventude, o sonho de qualquer jovem adulto era o de ter uma ocupação profissional, fosse ela qual fosse, tornar-se independente dos pais, viajar, comprar um automóvel usado, frequentar o ensino superior, se necessário fosse, na qualidade de estudante-trabalhador, encontrar rapidamente o seu espaço, fosse arrendando uma casa a meias com amigos/as, ou, nalguns casos, comprando.

Hoje, há uma franja, felizmente marginal, de jovens que se escudam na "crise", nas "dificuldades da vida", na preguiça eterna, esquecendo que a vida é uma luta constante que começa na base da pirâmide social e jamais termina. E, com a crueldade que lhe está associada, os que ficam parados na corrente ascendente, os que nada fazem, são rapidamente ultrapassados e cilindrados pelos que vêm atrás.

É aos pais super protetores, eles mesmos maus exemplos, ou negligentes com o comodismo galopante dos filhos, que deve ser assacada a maior responsabilidade por esta faixa marginal de jovens inertes, sem hábitos de luta ou sacrifício, que julgam que o mero facto de terem tirado um curso superior lhes garante o acesso imediato a um patamar profissional superior.

Todo o trabalho é honrado e em bastantes países por esse mundo fora, é comum os "doutores" trabalharem em ocupações menos qualificadas, isto até conseguirem, sempre com a sua luta e engenho, uma ocupação adequada às suas qualificações.

Nunca mais me esqueço da frase premonitória proferida por um professor que tive no ensino secundário, em relação às graçolas dos "engraçadinhos de serviço" da sala de aula: " Não gozes com os «caixas de óculos»" a quem chamas «marrões» e ocupam sempre os lugares na fila da frente, pois muito provavelmente vais encontrá-los como teus chefes na vida profissional futura".