domingo, 30 de abril de 2023

Vaya Con Dios



Nem tudo são más notícias. Ontem, ao sair do elevador, deparei-me com montanhas de bugigangas, o recheio de casa dos vizinhos do lado que, segundo parece, estão de saída. Aleluia! Trata-se de um casal novo, na casa dos trinta e poucos anos, muito mal-educados, com quem mantenho um conflito relacionado com ruído (provocado por eles) a horas impróprias e que já dura há vários anos.

O último episódio, que não tem mais de um mês, por minha iniciativa, terminou com a vinda da polícia, muito perto da meia-noite, após mais um serão de grande algazarra. Nessa noite, igual a muitas outras ocasiões, os vizinhos foliões decidiram uma vez mais encher a casa de gente (trata-se um apartamento T1 arrendado, o de menor tipologia existente no meu piso) e entre risos estridentes, cadeiras a arrastar e gritaria, preparavam-se para levar a festa noite dentro.
Ainda bati repetidamente com os nós do dedos na parede, para evitar uma vez mais tocar à campainha, não fosse acontecer uma situação de vias de facto, face às discussões que já tive com eles. Como resposta, em total gozo e desafio, seguindo o meu gesto, os desnaturados começaram todos mimeticamente a bater na parede enquanto soltavam grandes risadas. Não perdi mais tempo e chamei as autoridades. Passados 15 minutos, a polícia interveio e eles foram advertidos de que, de acordo com a Lei do Ruído, se fossem novamente chamados por causa do mesmo problema, seriam multados em quinhentos euros.

Nos dias seguintes, esperei algum tipo de represália da sua parte e, a conselho das autoridades, andei especialmente atento, mas felizmente nada aconteceu. Aliás, nunca mais me confrontei com eles nas escadas do prédio. Ao que parece, eles evitavam deparar-se comigo, nunca saindo do apartamento ao mesmo tempo do que eu.

Foram vários anos de confrontação, sempre por causa do ruído excessivo que, muitas vezes, durava até às duas da madrugada. Em todas as vezes, decidi confrontá-los pessoalmente com a questão, nunca optando por chamar a polícia. Prometiam fazer menos barulho e ter mais cuidado, mas nunca cumpriram e as sextas-feiras eram fatídicas. O último episódio exauriu o resto da minha paciência.
Para além da manifesta falta de civismo e das mais elementares práticas de urbanidade, a total falta de respeito por alguém com a idade dos seus pais, reflete a parte ausente de valores que nunca tocaram alguns elementos desta nova geração. São os chamados millenials ou Geração Z, que assistiram ao surgimento da tecnologia e das maiores transformações mundiais dos últimos tempos. Nascidos em Democracia, alguns na abastança , muitas vezes foram protegidos pelo facilitismo dos pais e viram satisfeitas necessidades de consumo para as quais nunca tiveram de trabalhar ou esforçar-se.

Mas felizmente não são todos assim. Interajo musicalmente com jovens com idade para serem meus filhos, alguns, netos, e mantemos uma relação cordial, com amizade sincera e respeito mútuo. A música é por essência apaziguadora e esta paixão transversal torna-nos, a nós praticantes, envoltos numa empatia que derruba quaisquer eventuais conflitos geracionais. Esta podia ser uma explicação simplista, mas acontece que eu tenho a sorte de privar com jovens com ambições, quer musicais, quer de outra ordem, que os resguarda de caminhos menos saudáveis e que cultivam o esforço pessoal como forma de atingir propósitos. São adolescentes e jovens que vislumbram para si um futuro, uma carreira, com sucesso na vida, baseada em práticas salutares e opções que os tornam melhores pessoas. Não é certamente o percurso trilhado por este detestável casal que está em vias de deixar de ser meu vizinho.

Com a mudança, por excesso de carga, já avariaram um dos elevadores (são arrendatários, estão de saída, pouco lhes importam os estragos provocados) e hoje era a mim que me apetecia fazer uma festa para comemorar o facto de que vou deixar de conviver paredes meias com tão insalubre presença.
Se cantar e tocar hinos de aleluia, irão terminar às 22h00, porque a Lei do Ruído é para respeitar. Talvez me fique apenas pela “canção do adeus”, com acordes simplificados, mas em som audível o suficiente para que a metáfora musical atinja os ouvidos destas criaturas persona non grata. Vaya Con Dios e pela sombra, que o sol está quente!

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Fósseis



Vossas mercês não sabem das coisas que uma pessoa descobre quando investe a sério na prática da espeleologia dentro do congelador.

Sob uma espessa camada de gelo informe, eis que me aparecem duas douradas embaladas em 2017, no Pingo Doce aqui do burgo. Depois de as descongelar, para lhes ver a cor e forma, pensava em cozê-las para dar aos meus felinos. Mas quando as vi totalmente sem gelo e bem passadas por água corrente, verifiquei que estavam em ótimo estado, apesar de quase fossilizadas dentro do congelador.
O meu jantar foi um regalo! Uma douradinha de 2017, com espinafres de 2020 e um sumo de laranja da época a acompanhar.

Desde que em Mafra, corria ano de 1981, durante o Curso Geral de Milicianos, comi rações de combate que diziam " Angola 1968", acho que ganhei imunidade completa para quaisquer achados histórico-comestíveis.

Hoje degustei um peixe de 2017, mas as escavações ainda não estão terminadas no meu congelador. Acho que há para lá camarão de outras épocas...