quarta-feira, 31 de julho de 2019

Rui Mingas



Um destes dias, em conversa com um colega do ginásio, onde quase diariamente faço a minha higiene física e mental, que por acaso é também ele professor de educação física, num estabelecimento de ensino secundário aqui na cidade de Leiria, recordei o meu professor Rui Mingas.

Andava eu no primeiro ano do ciclo preparatório, um ano antes da Revolução de Abril, tive o Rui Mingas como professor de ginástica, na Escola Preparatória D. António da Costa, em Almada. Já à época ele era um intérprete conceituado da música angolana e grande parte das aulas eram um misto de desporto e momentos musicais. Ele tocava guitarra, cantava e nós ficávamos deslumbrados a escutá-lo.


Nunca fui adepto das partidas de futebol, ou de outro tipo de competições que animavam a maioria da rapaziada, mas gostava, outrossim, de trepar às cordas, subir os espaldares, correr que nem um desalmado e usar o trampolim para dar saltos mirabolantes. O desporto coletivo e competitivo nunca me fascinou. Daí, os momentos musicais com o Rui Mingas terem sido as aulas de ginástica mais fabulosas da minha precoce juventude.

O Mingas foi praticante de atletismo, salto em altura e barreiras, no Benfica. Participou no celebérrimo programa televisivo Zip-Zip. Gravou vários discos e é um dos autores da canção "Meninos do Huambo", celebrizada em Portugal por Paulo de Carvalho.

Pertencente a uma família de influentes músicos angolanos, desenvolveu a sua sonoridade própria e uma forma única de interpretar a música da sua terra. Foi ele quem compôs a letra do Hino Nacional de Angola.

Foi professor, político, embaixador, cantor, letrista e atleta e é uma das figuras incontornáveis da cultura angolana. A parte que menos simpatizo da sua pessoa, deve-se ao alinhamento com a ditadura caciquista e dinástica de José Eduardo dos Santos. Sei que atualmente é o administrador da Universidade Lusíada de Angola, um cargo que a todos os títulos merece.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Desperdício alimentar



Como muitas pessoas que vivem só, sou um grande consumidor de alimentos já cozinhados, à venda nos supermercados e noutros estabelecimentos que servem refeições. Seja por preguiça, ou até por uma questão económica - para uma única pessoa, é mais barato comprar comida já feita do que gastar água, ingredientes e gás na sua confeção, bem como detergente na limpeza dos utensílios -, praticamente todos os dias compro refeições prontas.

Algo que sempre me questionou foi saber o que acontece à comida que não é vendida. Sei que o IPL (Instituto Politécnico de Leiria) tem um protocolo com certas instituições e sempre que há sobras estas são doadas, uma prática que deve ser saudada. Mas tendo perguntado aos funcionários de alguns supermercados, sobre o que acontece aos excedentes alimentares, foi-me dito que pura e simplesmente vão para o lixo. Ao que parece, a nossa legislação não permite que a comida confecionada seja mantida para além do dia em que é elaborada, e a política em vigor nos supermercados não permite, sequer, que os alimentos sobrantes sejam dados aos funcionários. Algo difícil de entender!


Todos os anos, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), desperdiçamos quantidades de alimentos que valem aproximadamente US$ 750 bilhões. Isso mesmo, enquanto estimativas apontam que 870 milhões de pessoas estão passando fome, o resto do mundo está jogando fora cerca de um terço de todos os alimentos que são produzidos. Apenas nos Estados Unidos, de 30 a 40% do fornecimento de alimentos pós-colheita acaba no lixo. É uma tragédia e uma falta de caridade. Bastaria um terço desse volume desperdiçado para amainar a fome no mundo.

A água que é usada para produzir comida desperdiçada é três vezes o volume do Lago Léman, ou três vezes o que flui pelo rio Volga. Por outras palavras, cerca de 35% do nosso consumo de água doce é jogado no lixo.

Desde 2016, os supermercados franceses estão proibidos de jogar fora alimentos não vendidos. Uma lei, aprovada por unanimidade pelo senado francês obriga as lojas a assinar um acordo de doação para instituições de caridade e bancos de alimentos. Um dos desejos é que a lei chegasse a toda a União Europeia para que também proíba o desperdício de alimentos nos supermercados.

Espero que Portugal, pioneiro em tanta legislação benéfica para a sustentabilidade humana, dê um passo em frente no sentido de contrariar este desperdício alimentar que é um crime. Mas a verdadeira revolução começa em casa e a partir da consciência de cada um. Colocar no prato somente aquilo que se vai comer. Temos de reduzir a porção de comida boa que vai para o lixo e pensar nas crianças que morrem a cada minuto por desnutrição.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Uma aventura hospitalar num país kafkiano



Anteontem recebi um sms do centro hospitalar para ir efetuar uma colheita de sangue, com vista a uma consulta externa a ter lugar no próximo dia 19. Chegado ao hospital, deparo-me com uma greve dos técnicos de análises. Depois de uma longa espera, consigo remarcar nova colheita para a véspera da consulta. Mostrei perplexidade pelo facto de enviarem sms aos doentes para realizarem colheitas de sangue, sabendo que os técnicos estão em greve, mas fui respondido com um encolher de ombros da funcionária.

Entretanto, estranhando não ter sido chamado para efetuar um exame radiológico (pedido há 6 meses) para ser apresentado nessa mesma consulta, por uma questão de jurisprudência das cautelas e já sabendo o que a casa gasta, fui ao serviço de radiologia indagar. Mandaram-me retirar nova senha e, depois de outra espera de 40 minutos, a funcionária que me atendeu disse-me secamente que ainda não houve vaga para efetuar o exame e que seguramente só iria ser chamado depois da consulta ( marcada há 6 meses para o próximo dia 19).

Sabendo que o exame era essencial para ser avaliado na consulta, sem mais delongas, fui à minha médica de família e pedi que me prescrevesse o dito exame radiológico, para ser realizado particularmente. No hospital, entretanto, fui informado que a médica especialista da minha consulta externa só aceita exames realizados no hospital.

O SNS é o serviço público que regista mais queixas no livro de reclamações, as quais, por serem tantas, acabam, a maioria delas, por cair em saco roto.

A vulgaridade de um serviço de saúde público próximo de países do terceiro mundo, aliado a índices de corrupção, desgoverno e impunidade a todos os títulos inaceitável, gera compreensíveis ondas de revolta nos cidadãos.

Verifico, com mágoa, que passados uns tantos limites e confrontadas muitas vezes com a impotência, a ausência de recursos e irresponsabilidades, algumas pessoas quase deixaram de se indignar.

A normalização deste desconcerto sem concerto, faz com que acabemos por conviver pacificamente com este estado de coisas. O que apetece mesmo é ter uma reação primária e partir para a vindicta privada. Felizmente que possuo um confortável lapso de tempo entre a vontade e a ação e isso permite-me refrear- me e... respirar fundo. Adiante.