terça-feira, 13 de outubro de 2020

Uma praga de moscas

Tenho a casa cheia de moscas. A principio pensei que podia ter alguma comida em putrefação, algures escondida num canto da cozinha, talvez roubada por um dos meus felinos. Mas não. Nada encontrei.

Mudei as pedras das caixinhas dos animais, higienizei tudo. mas as moscas adentravam-se cada vez mais. Cheguei a pensar que era vítima de alguma praga que alguém me lançara, parecida com uma das dez famosas pragas do Egito, que o Deus de Israel infligiu, para convencer o Faraó a libertar os hebreus maltratados pela escravidão.

Na quarta praga lançada sobre o Egito, o cenário foi muito semelhante ao que se passa pelas minhas bandas: as moscas escureceram o ar e atacaram homens e animais e a terra foi infestada desses insetos. O Faraó, segundo me recordo, concordou em libertar o povo e o Senhor retirou a praga, mas assim que percebeu que a praga havia cessado, voltou atrás na sua decisão, aprisionando o povo hebreu. Era um grandessíssimo filho da mãe.


Apesar desta coincidente parecença com o relato bíblico, achei que estava a efabular e deixei de arquitetar mais patetices. Afinal quem me poderia querer tanto mal a ponto de me lançar uma praga de moscas para dentro de casa? Eu não sou nenhum Faraó e nunca fiz mal a hebreus ou a quem quer que fosse.

Foi então, por mero acaso, que li no "Região de Leiria" que nas últimas semanas os moradores dos Andrinos, não muito longe da minha zona, vivem atolados em moscas. Diz-se que andaram a estrumar terras para as bandas da Ribeira do Sirol, daí a presença horrível desta mosqueira toda. Felizmente, a explicação tinha uma origem racional.

Em tempos idos, tive uma gata cuja especialidade era comer moscas junto às janelas. Tinha desenvolvido uma técnica infalível: apanhavas-as com uma pata que de imediato levava à boca e comia. Mas estes meus três felídeos são uns inúteis e só pensam em ron rons, comer e dormir. As suas capacidades de caça evaporaram-se por completo.

Conclusão. ou começam de imediato a fumigar as terras infestadas, ou fecho as janelas todas de casa e vou estudar um processo de extermínio para esta moscaria, tipo Solução Final. Fica prometido.


domingo, 4 de outubro de 2020

 




Ontem estive a ver na SIC, com alguma atenção, um pouco do programa do César Mourão, que tem feito um grande sucesso televisivo.

Realmente, a vetusta fórmula encontrada pelo apresentador - com a qual o Herman José, seu mestre e comparsa, granjeou bastante sucesso - parece ser o facto de ele ridicularizar, com enorme alarde, mas sem galhardia, pessoas com fraquissimas competências educacionais, algumas repletas de ingenuidade. A tarefa consiste em procurar os melhores cromos da tribo, onde o programa vai ter lugar, os mais risíveis e que possam trazer o gáudio do público, ávido por espernear-se de riso perante o ridículo alheio. Mas o mais cruel, aquilo que verdadeiramente me indignou, foi o facto de estas pessoas, com uma satisfação quase sinistra, se voluntariarem alegremente para servirem de repasto ao sucesso do presuntivo comediante.

O Mourão arrecada os louros da vitória televisiva, mensurado pelas audiências, fingindo que acha muita piada aos dislates de gente com parcos recursos de instrução escolar, expondo-os ao ridículo, tarefa que eles próprios aplaudem, sentido-se pateticamente estrelas em noite de ribalta.

Goste-se ou não do programa, a verdade é que esta forma de fazer humor resulta sempre eficaz: expor as miudezas das criaturas mais caricatas entre a massa popular é sucesso garantido.

Para não ferir suscetibilidades, nada como fingir doçuras, carinhos e cumplicidades identitárias com a arraia miúda. E nisso o Mourão é mestre. Tudo isto é televisão, audiências, dinheiro e o César faz parte da maquinação.