domingo, 19 de março de 2023

2020 - tempos de pandemia



Cheguei há pouco da rua. Fui de mota, apanhar ar puro, comprar fruta e comida para os meus felinos.

Leiria encontra-se praticamente deserta, com os munícipes, na sua generalidade, mantendo uma distância social e respeitando o número de pessoas admitido à vez dentro de cada estabelecimento.

Há filas à porta das farmácias e dos supermercados, mas a ordem e a serenidade são a regra e poucos carros circulam pelas artérias da cidade.

Fiquei feliz por constatar que, afinal, somos capazes de solidariedade e respeito pelas regras que nos foram impostas, em prol do nosso bem e do bem-comum. Estamos todos, ou quase todos, conscientes de que só a união e adoção das melhores práticas, na defesa contra um inimigo insidioso e invisível, nos podem ajudar a mitigar esta calamidade trazida pelo novo ano.

Aproveitei para ler um pouco, numa praça, outrora cheia de gente, agora deserta, observando de soslaio os poucos transeuntes que a cruzam, uns com máscara facial e luvas, outros mais descontraídos, sem qualquer proteção, mas todos guardando uma distância segura.

Respirei fundo. Afinal tenho a sorte de viver num país civilizado, pensei. Regra geral, só valoramos as coisas depois de as perdermos e a minha geração e as gerações posteriores, nunca conheceram tamanha provação.

O mundo não vai acabar, nem a primavera vai deixar de florir os campos, nem a água vai deixar de correr nos regatos e os rios vão continuar a abraçar o mar. A diferença está que uns vão continuar a saborear isso, mas outros não.

Esperemos o menos mau do que ainda está para acontecer.

Leiria, 19032020


domingo, 12 de março de 2023

Antropomorfismo



O antropomorfismo atribui características ou aspetos humanos a animais, elementos da natureza, objetos inanimados e constituintes da realidade em geral. Para os que acreditam, foi Deus quem primeiro nos criou à sua imagem e semelhança.
 
No caso dos veículos automóveis em geral, mas mais evidente neste velho trator agrícola, não restam dúvidas de que a parte dianteira representa sempre um rosto humano: os faróis são os olhos, a grelha do motor, a boca e o emblema cimeiro e frontal o nariz.
A tendência para "nos reproduzirmos" em tudo o que concebemos é, em nós humanos, irreprimível e sem dúvida uma das nossas marcas indeléveis.

Campos do Lis - 2016

sexta-feira, 10 de março de 2023

Coisas da avó Joaquina



A minha avó Joaquina nasceu no ano de 1900 e contava-me muitas memórias da sua infância, tais como: o assassinato do Rei. D. Carlos e do príncipe real D. Luís Filipe de Bragança, ocorrido no Terreiro do Paço em 1908, acontecimento que muito a comoveu, pois era uma admiradora incondicional da beleza do príncipe, que via nos muitos postais ilustrados da época.

Também me falava dos gaseados que retornaram a Portugal, após a campanha na Batalha de La Lys, durante a I Guerra Mundial; e muitas vezes, para repreender os netos, usava a expressão: " Está quieto! Parece que estás gaseado!".

Ao que parece os gases afetavam gravemente todo o sistema neurológico dos atingidos, provocando comportamentos muitas vezes anormais, daí a vulgarização da expressão.

Recordo-me particularmente de ela falar das vítimas do Tifo e da Gripe Espanhola, também apelidada de pneumónica, que a partir de 1918 tomou forma de pandemia, disseminando o vírus influenza, que se espalhou por quase toda a parte do mundo, vitimando entre 50 a 100 milhões de pessoas.

Lembro-me de ela relatar histórias de pessoas que eram enterradas à pressa, com medo da disseminação do vírus, e acordavam nos caixões, com carradas de terra em cima. Acabavam por morrer por asfixia, claro está. Quando se escutavam barulhos estranhos durante a noite, relatados pelos coveiros que pernoitavam nos cemitérios, aos quais se atribuía alguma credibilidade, desenterravam os corpos e, não raro, eram encontrados defuntos com as unhas cravadas na tampa do caixão ou voltados ao contrário.

A minha avó Quina era particularmente mórbida. Era adepta incondicional de funerais e não falhava um que acontecesse nas redondezas. Pedia a Deus muitas vezes que a levasse (durou até aos 95 anos!) e efabulava o cenário do seu próprio funeral e da roupa que gostaria de trajar. Foi certamente por sua influência que também eu ganhei um certo gosto pelo mórbido, levando-me inclusive a fotografar funerais.

Mais tarde, um pouco mais crescido, relembrei-me das histórias da minha avó e a curiosidade fez-me ler algo mais sobre estes factos. Sabendo da sua propensão para a morbidez, quis certificar-me da veracidade dos seus relatos e pude constatar que tudo aconteceu como ela contava.

A minha prima, Paula Arocha, companheira dos melhores momentos da minha infância, certamente se recorda de, no quintal da casa onde ela morava, fazermos funerais, com coroas de flores e cruzes de madeira, e nos postarmos a rezar pela morte de um presuntivo falecido primo. Isto até a avó Quina ir à varanda, deparar-se com o sinistro espetáculo no quintal e quase desfalecer.

A pneumónica, apelidada de Gripe Espanhola, curiosamente não surgiu em Espanha, mas este país, uma vez que não participou na I Guerra Mundial, não censurava as noticias e divulgou os milhões de infetados por todo o mundo. Alguém se lembrou, provavelmente um jornalista, de inventar o epíteto "Gripe Espanhola".

A história da humanidade está repleta de epidemias e pandemias, mas a nossa curta memória e especialmente o incremento sensacionalista dos media, faz-nos recear o Covid-19 mais do que outras virulências bem mais mortíferas que devastaram milhões de vidas. Malthus, sinistramente, defendia a necessidade das pandemias e das guerras, como um bem-vindo controlo populacional. Mas não cheguemos nós a tanto.



terça-feira, 7 de março de 2023

Março, marçagão...

 

Março, marçagão, manhãs de Inverno e tardes de verão".

 Estamos quase a entrar na estação bipolar, no tempo do renascimento, em que as coisas da natureza se refazem. Pelos interstícios da chuva, acabo de chegar do Pingo Doce, ainda com os ouvidos encharcados com a publicidade em repeat:” Preços de 2021, só no Pingo Doce!” - Tudo isto acompanhado por um jingle irritante que não cessa de nos atazanar. Irra! Não há pachorra! O marketing, a publicidade sofisticada, invenção dos norte-americanos, é um pouco como aquela mentira que, de tantas vezes ser dita, acaba por se tomar como verdade. Com um elevado grau de certeza, posso afirmar que a publicidade sempre teve em mim um efeito contrário: quanto mais escuto elogios sobre um produto mais desconfiado fico. Acredito, outrossim, nos relatos de experiências alheias de gente que reputo confiável e baseio as minhas decisões na prática pessoal  ou na alheia credível. A despropósito desta conversa, já tentaram marcar um exame radiológico aqui na cidade? O Hospital São Francisco não tem sequer vagas para marcação, fica-se em lista de espera a aguardar desistências ou vagas. A funcionária garantiu-me que há quase 300 almas a aguardar. A clinica Cedile marca uma ecografia para final de Junho e já tem poucas vagas. É evidente que, fora dos regimes convencionados, quem puder pagar na íntegra os exames, fá-los rapidamente noutros estabelecimentos privados. Não é exagerado dizer que muitas pessoas quando forem convocadas já foram cremadas e o problema fica naturalmente resolvido. 

Hoje deu-me para a maledicência e para o desabafo mas daqui a pouco, quando agarrar de novo na guitarra, faço uma pausa na preocupação com os desajustes do quotidiano. Há coisas que não mudam nunca e o segredo talvez seja aprender a conviver com isso, num constante processo de adaptação.