quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Mata-se e esfola-se, assunto resolvido.


A propósito da noticia da mãe que, presumivelmente, terá cometido o crime de homicídio das suas duas filhas e que acusa o marido de violência doméstica e violação das meninas - uma já foi encontrada sem vida, a outra encontra-se desaparecida mas, provavelmente, terá sofrido o mesmo destino - já se levantam as vozes dos fazedores de opinião, arautos da vindicta privada e do julgamento e condenação antecipadas, "just because".
É incrível como o senso ético do nosso dia-a-dia se deixa condicionar fortemente pela presunção, ainda que forte, ignorando por completo a prova que, só depois de produzida, conduz ao julgamento por um tribunal e à aplicação da sanção adequada.
Ainda a verdade dos factos não foi apurada - até prova em contrário, a mulher goza da presunção de inocência "in dubio pro reu" (pode perfeitamente estar a mentir sobre muitos dos factos que alega e, face ao seu estado de saúde mental, não é de colocar de lado essa hipótese; ou ser declarada inimputável), já se acusa alguém como se tivesse havido um julgamento formal e feita a prova de factos, quando o que existem são apenas presunções fortes, indícios que carecem de prova a ser produzida em tribunal.
A decisão técnica aplicada, inteiramente correta, foi a da constituição da mãe como arguida, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de privação da liberdade ( a mais grave entre as previstas na lei penal), a mais adequada, aliás, para prevenir o perigo de fuga ou destruição de elementos de prova.
Não quero com isto dizer que, face aos fortes indícios, não venha a dar-se como provado o homicídio voluntário das meninas, bem como eventuais crimes cometidos pelo progenitor, mas tudo isso não basta para formular juízos sancionatórios.
A presunção de inocência é das garantias constitucionais mais fortes, e haverá poucas coisas menos censuráveis do que condenar um inocente ou manchar irremediavelmente a sua vida.
É da natureza dos "juristas de café" julgarem toda a gente na praça pública, com base em leituras de jornais, fazedores de opinião e manipuladores de mentes, e isso é algo que jamais irá mudar.

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