segunda-feira, 8 de junho de 2020

Um dia como outro qualquer

A caminho do ginásio, de mota, como eu gosto sempre de andar, seja verão ou inverno, paro para beber café no estabelecimento do costume. Lá dentro, as máscaras vão-se aligeirando, e, mais do que os cuidados reais para manter distâncias físicas profiláticas, cumprem-se a custo rituais, com pouco desvelo que a situação sanitária ainda requer.

Lembro-me quando cumpria o serviço militar em Mafra, um oficial instrutor, veterano das matas da Guiné, nos ter dito: "Passávamos por aquela picada todos os dias, com as armas atestadas e em posição de tiro, como mandam as regras militares em tempos de guerra, mas nunca acontecia nada. Aos poucos, fomos afrouxando a guarda. E foi num dia em que passámos por lá todos em alegre risada, como se fossemos num mero passeio pelo campo, que fomos emboscados. Morreram 9 camaradas em poucos minutos."

Depois de saborear o gostinho saboroso do café, retomo a marcha na direção do ginásio. Opto sempre por caminhos secundários para melhor apreciar e sentir a relação dos diferentes planos sensoriais. Está um dia lindo e solarengo. Sob os muros das vivendas, pendem lilases, açafrão, tulipas e outras flores primaveris cujo nome não reconheço. As borboletas revolteando por aqui e por ali e o pólen que paira na atmosfera, compõem o resto do cenário. Sopra uma ligeira brisa que não sei de onde vem, mas que ergue algumas folhas cor purpura caídas no chão. 

No ginásio, os procedimentos logo à entrada são rigorosos. Temos de nos borrifar, no sentido mais literal da palavra, desde os sapatos até às mãos. Não há contato físico com o rececionista. O diálogo tem lugar sempre com a máscara colocada e através de uma placa de acrílico, objeto que se tornou usual em quase todos os estabelecimentos. Lá dentro, procedimentos semelhantes: borrifar as máquinas e os halteres, antes e depois de cada utilização, e manter uma distância de 2 metros dos outros utentes. Os balneários não funcionam. Dizem que o vapor quente favorece a propagação do vírus e por isso vamos todos terrivelmente suados para casa. No final, sem poder tomar banho de imediato, regresso pelo mesmo caminho, não sem antes parar no supermercado para comprar almoço.

A entrada do ano 2020 foi para todos inesperada. Dir-se-ia que a realidade que atualmente se vive ultrapassa o melhor argumento de qualquer filme de ficção cientifica. Mas a primavera corre imparável os seus ritos e, já de regresso, imerso em pensamentos, na vastidão azul do céu, vi passar um avião que deixou um lastro branco como fora um desenho feito por uma criança. Por momentos, inebriado, desviei os olhos da estrada, mas ainda a tempo de me desviar de uma árvore enorme que verdejava o caminho. Não estava para acontecer e não aconteceu.







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