sábado, 15 de julho de 2023

Rir de mim



Hoje, depois do treino no ginásio, completamente distraído com as minhas deambulações, entrei para dentro do chuveiro com os óculos postos e as sapatilhas calçadas. Felizmente percebi a tempo o meu lapso quando as primeiras bátegas me caíram na cabeça e fiquei com os óculos embaciados. Embora não tenha sido uma distração com consequências graves, concedo que “estar com a cabeça no ar” é um estado normal em mim e me tem acompanhado ao longo da vida, por vezes em situações recorrentes.

Já fui protagonista de diversos episódios risíveis, motivados pelo meu comportamento nefelibata, por sorte, sempre sem outras sequelas que não fossem provocar o riso nas pessoas que assistiram.

No local de trabalho: bater com o cotovelo ou o braço numa porta e pedir desculpas pelo facto; esquecer-me do código que desligava o alarme da porta da repartição e confrontar-me por diversas vezes com a chegada da polícia; entrar na casa de banho feminina; tomar o pequeno-almoço no bar e não pagar a despesa.

Na rua: tentar abrir a porta de um automóvel semelhante ao meu e depois ver-me confrontado com a chegada do proprietário; deixar o telemóvel em cima do tejadilho do automóvel e arrancar com o mesmo; abastecer e esquecer de ir pagar o gasóleo; por duas vezes, meter gasolina no depósito em vez de gasóleo.

No prédio onde moro: sair do elevador no andar errado e tentar abrir a porta do apartamento do inquilino que mora no piso superior ao meu; deixar a porta da garagem aberta com muitos valores lá dentro; deixar o molho das chaves pendurado na fechadura da caixa do correio ou na porta do meu apartamento; encomendar uma pizza e depois esquecer-me e estar a tomar banho quando o funcionário que faz as entregas toca à porta; deixar comida a fazer no fogão e só dar conta disso quando cheira a queimado; deixar a porta do apartamento aberta depois de chegar a casa com muitas compras.

Na música: esquecer-me, durante um concerto ao vivo, de um determinado acorde ou notas de um solo durante uma sequência musical; perder constantemente as palhetas e depois encontrá-las mais tarde no saco do aspirador, por vezes, três ou quatro de cada vez.

No barco cacilheiro: durante o trajeto para Lisboa, deixar-me dormir e ser acordado por um dos tripulantes, para me informar que já toda a gente havia saído do barco e eu corria o risco de voltar para Cacilhas.

Se eu fizesse um esforço maior, tenho a certeza de que me recordaria de muitos mais episódios, com comicidade apreciável que ocorreram ao longo da minha vida, mas isso tornaria o texto longo e quem sabe repetitivo.

Deixo propositadamente para o fim o relato de uma das cenas mais burlescas que protagonizei. O que vou contar aconteceu teria eu trinta e muitos anos e, já licenciado, frequentava à noite um mestrado na Faculdade de Direito de Lisboa. Durante o dia, trabalhava numa repartição notarial, na Avenida Defensores de Chaves, em Lisboa, onde era o ajudante principal da respetiva notária.

À época, morava na cidade do Barreiro e esta cena aconteceu durante o inverno, num dia ventoso e com bastante chuva, pois recordo-me que eu levava numa das mãos a mala com os códigos jurídicos e na outra um guarda-chuva.

Como era habitual, nesse dia, também levei o saco do lixo para despejar no contentor mais próximo, antes de entrar para o autocarro que me levaria ao barco.

Ao chegar à repartição, por volta das 09h00, as minhas colegas começaram a comentar que cheirava muito mal e não sabiam de onde vinha o mau odor, até que uma delas me perguntou o que é eu tinha dentro do saco de plástico do Pingo Doce que trazia na mão.

As risadas duraram cerca de dois dias. Resultado: fiz os trajetos de autocarro na cidade do Barreiro, travessia de barco no Tejo, de novo autocarro em Lisboa e metro, sempre com o saco do lixo entrelaçado nos dedos da mão esquerda, juntamente com a pega da minha pesada mala preta.

Quem me está a ler estou certo de que a primeira ideia que lhe vem à mente é a de que eu, porventura, estarei enfrentando um processo de demência ou perda das capacidades cognitivas.

Poderia ser o caso se eu não tivesse ao longo da minha vida sido sempre assim. Quando me ponho a pensar, por vezes, desligo-me do mundo físico que me rodeia e sento-me em cima de uma nuvem. Uma nuvem que segue navegando com a brisa ligeira.



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