sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Os novíssimos clones



Pela observação da minha árvore genealógica, pelo menos no que concerne aos ramos mais recentes, sou forçado a perfilhar o conhecido aforismo: «quem sai aos seus não degenera». Com o avançar da idade, imagino que as semelhanças genéticas que me ligam aos meus parentes mais próximos tenderão, cada vez mais, a enfatizar essas marcas indeléveis, a tal ponto que, desaparecidas certas pessoas, os meus traços fisionómicos perpetuarão, aos olhos de muitos, a memória de alguém que me foi próximo. A isto chamo recordar alguém através de mim; e, confesso, tal não me agrada.

Detesto, irrita-me solenemente, sempre que oiço dizer: «- Olha! Lá vai o fulano tal! É mesmo a cara chapada do…»

Sei que a importância deste meu «achar» se reveste de um interesse tão sublime quanto a declaração solene de que foram descobertas flores púrpuras nas Pampas argentinas; mas, ainda assim, trata-se de uma sensação dolorosa e que me causa constrangimento.

Talvez por existirem demasiados pensamentos à solta na minha cabeça, para meu grato alívio, careço de os exorcizar soltando-os nalgum lugar e, mais tarde, quando com eles me reencontro, vejo-os, o mais das vezes, depauperados e já sem qualquer razão de ser, não fora aquela que, à época, existiu e lhes conferiu um pretenso sentido.

Acho que não deveria haver ninguém parecido com quem quer que fosse, e todos deveríamos primar pela unicidade fisionómica e psicológica, de tal forma que fossemos sempre inconfundíveis.

Abomino a clonagem comportamental, o estereótipo exacerbado que me rodeia. Cada vez mais valorizo a luminosidade que se desprende dos ditos «seres diferentes», e que ofuscam a existência medíocre das larvas comuns, que adaptam o seu corpo extensível à medida da maior ou menor estreiteza das fendas que se lhes deparam no caminho.

A mediocridade aflige-me, pese embora ainda mais me preocupe a possibilidade de eu, em algum dia, ou momento, poder vir a fazer parte do clã dos medíocres que tanto critico.

Nem sei, de resto, porque me apeteceu, neste agora, fazer a apologia da individualidade, da excelência que representa o facto de «ser diferente», mas creio que é por tanto detestar os comportamentos estereotipados que observo no dia-a-dia, em absoluto destituídos de marcas de pertença, sempre em perene adaptação às circunstâncias que, no momento, mais favorecem, causam aceitação e ganhos pessoais; ainda que com a abdicação de sermos nós mesmos; ainda que com a abolição pura e simples dessa tão querida verdade.

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