terça-feira, 9 de outubro de 2018

Em memória do Amadeu Ferreira



Hoje, a propósito de nada, lembrei-me do Amadeu Ferreira, de quem fui colega na Faculdade de Direito de Lisboa e dos seus celebérrimos apontamentos baseados nas aulas do Prof. Dr. Rui Pereira (aquele que foi ministro da administração interna, esse mesmo), que eram tão bons a ponto de várias gerações de alunos terem estudado a cadeira por eles. Há casos, inclusive, de alunos que se limitaram a ler a dita sebenta e passaram na disciplina com uma nota nada vergonhosa.

Recordei o Amadeu como o melhor aluno de Direito da minha geração (no 4º ano da licenciatura já era monitor convidado) e que mais tarde se tornou advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Foi também um dos principais responsáveis pela promoção da língua mirandesa e traduziu várias obras importantes da literatura portuguesa para o mirandês. Era presidente da Associação de Língua e Cultura Mirandesas (ALCM), presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes, vice-presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), membro do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Bragança e, desde 2004, comendador da Ordem do Mérito da República Portuguesa.


Quis o destino que em 2015, com 64 anos de idade, um tumor cerebral, por ironia, instalado precisamente na parte corporal mais insigne deste vulto da inteligência e cultura portuguesa, lhe colhesse a vida.

Não sei o que teria sido de mim sem os apontamentos de Penal I do Amadeu que, dizem, eram um misto de aulas desgravadas do Prof. Rui Pereira, com interpretações e glosas feitas com mestria pelo insigne aluno.

Gravar as aulas plenárias dos professores ( com o consentimento dos mesmos) e depois passar o conteúdo das mesmas para o papel, era uma tarefa hercúlea, mas, com um pouco de sorte, durante um ano letivo completo, calharia uma única vez a uma parelha de alunos. Claro que todos colhiam o beneficio, pois fazia igualmente parte da tarefa fornecer cópias a todos os alunos que fizessem parte do grupo e receber, do dito grupo, as cópias das outras aulas.

Era um sistema (quase) perfeito mas ninguém podia falhar.

Mas, como em tudo na vida, há sempre um lado anedótico:

A colega X, tendo ficado encarregue de gravar e desgravar uma determinada aula - a cidade universitária é constantemente sobrevoada a baixa altitude por aviões comerciais, pois fica na trajetória de aproximação à pista principal do Aeroporto da Portela - não consegui descortinar determinadas frases e sempre que havia lapsos do texto, desenhava um avião. E foi assim que, um dia, cerca de 80 alunos que integravam um grupo de alunos-desgravadores, recebeu a fotocópia de uma aula desgravada, com frases interrompidas a meio por desenhos de aviões. Era hora de ponta, disse ela. Não sei se a desculpa humorística teve uma boa receção.


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