quarta-feira, 13 de julho de 2022

O intelectual

 


Não sei quantas vezes já me interroguei sobre o verdadeiro alcance e significado do vocábulo «intelectual», sem que tenha chegado a alguma conclusão satisfatória...

Um intelectual, para o senso comum das pessoas, é alguém votado ao estudo profundo das coisas e artilhado de uma grande cultura; mas, não raras vezes, já ouvi a expressão ser empregue com um sentido pejorativo: «Estás armado em intelectual?»; «Aquele tem a mania que é intelectual!...»; como se gostar da leitura e do saber, alimentos essenciais do espírito, fosse sinónimo de presunção, pecado, ostentação, vaidade, e algo de que nos devamos envergonhar e esconder dos que nos rodeiam, como se fôramos portadores da peçonha.

O intelecto ou a inteligência - e julgo que esta noção é pacificamente aceite por todos – é a capacidade de adaptação e domínio de novas situações, a possibilidade de “fuga” ao determinismo biológico, ultrapassando a limitação das respostas meramente reflexas que são mais próprias dos animaizinhos. Nós reunimos as duas opções e é bom que façamos uso delas.

O conhecimento, então, resulta de uma dialética bem diagnosticada: o sinalagma: sujeito/ objeto.
Enquanto a função do sujeito consiste em apreender o objeto tornando-o presente a si próprio, a função do objeto é meramente passiva: deixa-se apreender dando conteúdo ao que é apreendido pelo sujeito.
A experiência de cada um mostra que há para o homem dois modos ou graus de conhecimento: o conhecimento sensível, singular e concreto; e o conhecimento intelectual, universal e abstrato; e toda a Teoria do Conhecimento, que estudámos nas velhas lições de Filosofia, valora exatamente a análise da experiência, o que implica a decomposição desta nos seus elementos: sensação, intuição e pensamento.

Mas toda esta verborreia não elucida ninguém, incluindo eu próprio, sobre o que afinal vem a ser um intelectual.

Um intelectual pode ser efetivamente alguém dotado de um grande afã de sapiência e, por essa via, dotado de uma cultura superior – que dista da mediania - tornando-se uma pessoa interessante; ou pode ser alguém que abomina as vias-sacras do futebol, dos copos, das putas e do vinho verde, dos tunnings e dos turbos, das revistas de informática, das discotecas com “muitas gajas”, das novelas da noite e quejandos e, em sintonia com essa negação absoluta e fundamental, resultar num ermitão, chato como a potassa, voltado unicamente para as leituras, e consagrado a essas iguarias que lhe alimentam o apetite voraz pelo saber. 

Ou, num notável registo de ecletismo, um intelectual pode ser ambas as coisas. São estes, em boa verdade, os mais bem aceites e tolerados pelas claques que «abominam intelectuais» - o mais das vezes por não o serem e sentirem-se inferiorizados por via desse facto - pois conseguem conjugar vernáculos, palavreado apócrifo,”bojardas” plenas de graça, com uma erudição de se lhe tirar o chapéu. E como dignos representantes desta Escola de Feitores das Letras, que agradam a gregos e a troianos, temos as figuras paradigmáticas do Miguel Esteves Cardoso, do Pedro Paixão – a maltinha da “massa cinzenta” – a que se quer juntar um tal Rui Zink - esse ápex da escrita que também se quer fazer passar por maluco, mas que escreve tão mal, desajeitadamente e sem graça, que, a não ser como apoderado e lacaio dos outros, não lhe vislumbro futuro nas letras.

Um intelectual – e tenho de forçar uma definição – é alguém que gosta com força, com muita força, de coisas que deleitam o intelecto, mais do que os sentidos, e apelam à formação de um astral criativo, pleno de curiosidades satisfeitas, que fazem do sonho um ato de permanência. E nós enriquecemo-nos deste modo: tanto com as denegações quanto com as confirmações que as nossas aquisições nos despertam.
 



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