sexta-feira, 10 de março de 2023

Coisas da avó Joaquina



A minha avó Joaquina nasceu no ano de 1900 e contava-me muitas memórias da sua infância, tais como: o assassinato do Rei. D. Carlos e do príncipe real D. Luís Filipe de Bragança, ocorrido no Terreiro do Paço em 1908, acontecimento que muito a comoveu, pois era uma admiradora incondicional da beleza do príncipe, que via nos muitos postais ilustrados da época.

Também me falava dos gaseados que retornaram a Portugal, após a campanha na Batalha de La Lys, durante a I Guerra Mundial; e muitas vezes, para repreender os netos, usava a expressão: " Está quieto! Parece que estás gaseado!".

Ao que parece os gases afetavam gravemente todo o sistema neurológico dos atingidos, provocando comportamentos muitas vezes anormais, daí a vulgarização da expressão.

Recordo-me particularmente de ela falar das vítimas do Tifo e da Gripe Espanhola, também apelidada de pneumónica, que a partir de 1918 tomou forma de pandemia, disseminando o vírus influenza, que se espalhou por quase toda a parte do mundo, vitimando entre 50 a 100 milhões de pessoas.

Lembro-me de ela relatar histórias de pessoas que eram enterradas à pressa, com medo da disseminação do vírus, e acordavam nos caixões, com carradas de terra em cima. Acabavam por morrer por asfixia, claro está. Quando se escutavam barulhos estranhos durante a noite, relatados pelos coveiros que pernoitavam nos cemitérios, aos quais se atribuía alguma credibilidade, desenterravam os corpos e, não raro, eram encontrados defuntos com as unhas cravadas na tampa do caixão ou voltados ao contrário.

A minha avó Quina era particularmente mórbida. Era adepta incondicional de funerais e não falhava um que acontecesse nas redondezas. Pedia a Deus muitas vezes que a levasse (durou até aos 95 anos!) e efabulava o cenário do seu próprio funeral e da roupa que gostaria de trajar. Foi certamente por sua influência que também eu ganhei um certo gosto pelo mórbido, levando-me inclusive a fotografar funerais.

Mais tarde, um pouco mais crescido, relembrei-me das histórias da minha avó e a curiosidade fez-me ler algo mais sobre estes factos. Sabendo da sua propensão para a morbidez, quis certificar-me da veracidade dos seus relatos e pude constatar que tudo aconteceu como ela contava.

A minha prima, Paula Arocha, companheira dos melhores momentos da minha infância, certamente se recorda de, no quintal da casa onde ela morava, fazermos funerais, com coroas de flores e cruzes de madeira, e nos postarmos a rezar pela morte de um presuntivo falecido primo. Isto até a avó Quina ir à varanda, deparar-se com o sinistro espetáculo no quintal e quase desfalecer.

A pneumónica, apelidada de Gripe Espanhola, curiosamente não surgiu em Espanha, mas este país, uma vez que não participou na I Guerra Mundial, não censurava as noticias e divulgou os milhões de infetados por todo o mundo. Alguém se lembrou, provavelmente um jornalista, de inventar o epíteto "Gripe Espanhola".

A história da humanidade está repleta de epidemias e pandemias, mas a nossa curta memória e especialmente o incremento sensacionalista dos media, faz-nos recear o Covid-19 mais do que outras virulências bem mais mortíferas que devastaram milhões de vidas. Malthus, sinistramente, defendia a necessidade das pandemias e das guerras, como um bem-vindo controlo populacional. Mas não cheguemos nós a tanto.



Sem comentários:

Enviar um comentário