sexta-feira, 11 de maio de 2012

Fazer o que se gosta






As pessoas "como deve ser" querem-se ocupadas, sempre ocupadas com coisas gloriosas. Devem fazer coisas, de preferência úteis. Devem ser diligentes, atentas e interessadas, acordar cedo e ter um toquezinho histérico ou hiperativo logo pela manhã, para demonstrar, para exibir o tempo todo, atitudes de voluntarismo, vitalidade e energia. Pessoas lentas e desmotivadas como eu, pouco expeditas no que às tarefas que lhe desagradam respeita, arriscam-se a passar por madrionas, que é o epíteto com que geralmente se mimam essas atitudes nefastas. Confesso-me um daqueles "profissionais" que trabuca para a manduca. Sou competente quanto baste, mas não obtenho êxtases com o meu trabalho nem me motivam comportamentos de excelência. Para isso era preciso que eu amasse aquilo que faço durante as cerca de sete horas que dura a minha jornada de trabalho. Prefiro, de longe, ler, escrever, viajar, tocar guitarra, ouvir música, conduzir motas, fotografar o entardecer, ou, simplesmente, concentrar-me no zunido que as cigarras provocam numa tarde de verão, do que ter de desempenhar tarefas que pouca alegria me proporcionam. Faço-as bem feitas porque tenho de as fazer, porque me pagam para ser competente, porque é a moeda de troca, o contrato a que me propus, para poder usufruir do privilégio de ter um ordenado confortável no final de cada mês. Sei que o meu emprego, a minha atual posição, advém única exclusivamente do meu mérito e da carreira que eu mesmo promovi. Sei, igualmente, que hoje em dia já não existem empregos para a vida e que estar empregado e, no instante seguinte, ficar desempregado é um mal que pode atingir qualquer um. Isso, de alguma forma, aplaca a minha (má?) consciência. Mas onde mora a gloriosa opção de ver a relva a crescer? Ou a doce volúpia de não fazer nada? Porque será que, tendo uma única vida para vivermos, só um nicho de privilegiados consegue, no decurso da sua passagem pela vida, fazer somente aquilo que gosta e lhe transmite prazer? O dinheiro liberta-nos. Aliás, é a única coisa nele que me fascina: a liberdade de podermos escolher - sermos aquilo que realmente somos. Iguais a nós mesmos. Fazedores do (nosso) prazer. Num outro modelo societário, necessariamente mais evoluído, capaz de satisfazer as necessidades básicas de cada um de nós e, ainda, promover a satisfação plena de todos os seus membros, creio que esse horrendo meio de troca podia muito bem desaparecer. 

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