sábado, 13 de abril de 2019

Obsolescência programada



A obsolescência programada é a decisão do produtor de propositadamente desenvolver, fabricar, distribuir e vender um produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não-funcional, especificamente para forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto.

Há quem pense que esta manigância capitalista é uma invenção recente, mas já nos anos 20, 30 e 40 do século XX, nos EUA, era uma prática corrente.

É certo que nem todos os fabricantes aderiram a esta prática e prova disso são alguns produtos, que bem conhecemos, que duraram a vida do seu usuário e, nalguns casos, até a ultrapassaram, tendo sido transmitidos às descendências em perfeito estado de funcionamento.

Hoje em dia compramos uma torradeira, um televisor, um automóvel, um telemóvel, uma máquina de lavar ou uma máquina fotográfica, sabendo antecipadamente que a esperança de vida útil do artigo não ultrapassará um certo tempo. O produto nasce com tempo programado para morrer.

Mas, para felicidade maior das gerações mais antigas, muitos fabricantes não aderiram à obsolescência programada - ou só o fizeram mais tarde, por uma imperiosa necessidade de igualdade de armas - nós, os que a essas gerações pertencemos, conhecemos e usámos muitos produtos industriais que já eram dos nossos pais e dos nossos avós e nos foram transmitidos em perfeito estado de funcionamento.

Recordo, quando eu era criança, que uma família de um estrato social mediano, os pobres usavam sempre o transporte público, tinha um (no máximo dois) automóvel durante toda a sua existência. As coisas existiam tendencialmente para durar e a obsolescência estava longe dos dias de hoje. Os automóveis passavam muitas vezes de pais para filhos e por vezes de avós para netos.

As pessoas, não raro, eram identificadas pelos automóveis que possuíam (algo hoje inconcebível face à velocidade com que se troca de viatura). E quando alguém perguntava:

- Conheces o Almeida?
- Não estou a ver quem seja...
- Aquele que tem um Ford Taunus 20M.
- Um Taunus cinzento escuro? Claro que conheço.

Poupar não era uma palavra vã e, coisa que eu detestava, as camisas e os sapatos do meu irmão mais velho, desde que em muito bom estado, podiam virtualmente passar para mim.

Claro que eu cedo desenvolvi estratégias para que isso não acontecesse, nomeadamente fazendo desaparecer um dos pares dos sapatos candidatos a mudarem de pés. Misteriosamente desapareciam de casa e lá tinha o meu pai de ir comigo à sapataria para eu escolher uns sapatos novos, não sem antes revolvermos a casa toda à procura do sapato perdido. A minha cara de inocente, quando me perguntavam se tinha visto o sapato, salvou-me da maioria das situações.

Mas é sobre o Mercedes 180 D, que começou a ser fabricado na Alemanha nos anos 50 do século passado e se tornou um ícone da cidade de Lisboa (foi a capa do principal álbum do grupo pop português "Táxi"), que eu quero falar.

Nos anos 60 do século XX, era o modelo mais popular e mais usado pelos taxistas da capital. pela sua imensa fiabilidade, robustez e conforto.

Durante a minha infância, viajei imensas vezes nestes vagarosos e confortáveis veículos, que não foram alvo de obsolescência programada. Com manutenção simples, podiam durar anos sem fim e alguns deles ainda hoje circulam nas mãos de colecionadores

Em Lisboa, alguns destes modelos tinham cerca de dois milhões de quilómetros, sempre feitos no pára-arranca, no trânsito infernal da cidade, muitos circulando as 24 horas do dia, com rendição dos motoristas.

Às vezes sinto nostalgia de escutar o matraquear possante e desengonçado do motor diesel do 180 D, com o seu volante branco feito em baquelite, o conta quilómetros peculiar e o claxon em forma de aro por dentro do volante.

Sinto saudades daqueles sofás generosos, onde os passageiros se afundavam e se deliciavam com as vistas de Lisboa, numa tarde chuvosa de inverno, com os reclames luminosos da Avenida da Liberdade e do Rossio a despertarem para conferirem aquele tom mágico que a cidade possuía nos anos 60.

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