sábado, 21 de dezembro de 2019

Vade retro Drugstores





A minha embirração com centros comerciais é antiga e de todas as minhas mitologias esta é porventura uma das mais persistentes. Sempre detestei aqueles ambientes estereotipados, claustrofóbicos, pejados de pessoas aos encontrões, com uma iluminação surreal, enfeitados de avenidas com lojas de um lado e do outro, onde as vitrinas, quais meretrizes apelativas, contam com a rendição absoluta de muitos às marcas da moda - que pretensamente lhes acrescentam algum prestigio social.

Se me pedissem para balbuciar alguns neologismos que bem caracterizassem este meu sentimento deplorativo, talvez que as expressões "forumfóbico" ou "shoppingfóbico" me assentassem como uma luva.

Em Lisboa, nos anos 70, assisti ao desabrochar da maioria dos Centros Comerciais, ou Drugstores, como também se lhes chamava. O Drugstore da avenida, "Drugstore Sol a Sol", com entrada pela Avenida da Liberdade e o "Drugstore Tutti Mundo", na Avenida de Roma, ainda abriram nos finais dos anos 60. Mas, mais tarde, outros maiores foram abrindo um pouco por toda a cidade. Era uma moda norte-americana que tinha vindo para ficar, tal como a Coca Cola e os hambúrgueres.

O verdadeiro boom dá-se precisamente na década de 70. O Apollo 70 (homenagem à nave espacial), ao Campo Pequeno, com bowling (uma novidade na capital), jogos americanos, uma delegação da Valentim de Carvalho (discoteca), um estúdio de cinema e uma cafetaria, entre outras lojas, fazia as delícias dos lisboetas e dos habitantes das cidades circunvizinhas. Lembro-me de ir propositadamente lá para comer uma banana split, uma novidade em absoluto à época, e de ter sido uma das experiências gastronómicas mais felizes da minha juventude.

Seguiu-se o aparecimento do "Centro Comercial Castil", na Rua Castilho, do "Caleidoscópio", do "Imaviz", na Avenida Fontes Pereira de Melo do "Centro Comercial Fonte Nova", em Alvalade; e, já nos anos 80, o aparecimento do "Shopping Center das Amoreiras", arquitetado pelo celebérrimo Tomás Taveira, na altura o maior de Portugal. A nossa parolice era de tal monta que recordo excursões vindas do norte propositadamente para verem a cascata artificial do "Imaviz", ou para os excursionistas experimentarem os elevadores e as escadas rolantes das Amoreiras. O país vivia embasbacado com os centros comerciais e juntamente com esse delírio também surgiu um novo tipo social: as "meninas do shopping": loiras pestanudas, carregadas de quilos de maquilhagem, com ar e futilidade no lugar do cérebro e ambições de vida brejeiras, mas que atraiam muita clientela para o consumo; e sobretudo mirones.

Cedo, os centros comerciais desapareceram do meu radar. Deixei de os frequentar porque sempre foram um ambiente hostil à minha maneira de estar e ao recato que aprecio. Entro nalgum em situações in extremis, quando tenho de comprar um livro ou algo que, face à política comercial concentracionária que insiste em aniquilar o comércio tradicional, sei que só posso encontrar numa Fnac ou numa Bertrand. Desespero com a dificuldade do estacionamento e, de uma forma geral, com tudo o que por lá se passa.

Sei que as cidades mudam, que a viabilidade financeira dita o fecho de cinemas, lojas tradicionais, cafés e edifícios emblemáticos. As cidades estão cheias de lugares desses, locais de encontro que de repente fecham e por vezes nem mudam, ficam décadas entaipados a aguardar uma decisão judicial ou uma qualquer solução económica que lhes confira novo destino.

O Natal é a época do ano em que precisamente se enfatizam todas as coisas que me fazem detestar centros comerciais. Para além da tralha abundante que por lá existe e deambula, sou interpelado por jovens que me querem vender cartões de crédito, outros que me oferecem papelinhos para snifar perfumes; e, como se tudo não bastasse, sou obrigado a escutar em repeat musiquinhas de natal, enquanto vou avançando aos tropeções até à Fnac ou à Bertrand - os únicos oásis que me merecem.

tamanhos sacrifícios. 

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