segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Pingo Doce - Heróis de Angola





Apesar de nesta vida já ter palmilhado quase seis décadas e da miséria, os infortúnios, a dor, as injustiças e, de um modo geral, o sofrimento, próprio e/ou alheio, não constituírem surpresas para mim, ainda não perdi a capacidade de me espantar com certas coisas. O que faz um jovem, com vinte e poucos anos, sentado no chão, à porta do Pingo Doce, acompanhado de um pincher empoleirado num banco, tocando acordeão? Pede dinheiro, com certeza. Mas porque motivo? Qual a sua história de vida que o fez desviar-se dos percursos normais da maioria dos jovens: estudo, trabalho, estruturação de bases sólidas para a sobrevivência em sociedade? O que foi feito pelas nossas instituições, na sua grande maioria, sustentadas pelos nosso impostos, para ajudar este jovem?

Na Europa Comunitária animam-se processos para a criminalização dos Sem-Abrigo e dos pedintes, como se, ser Sem-Abrigo – não ter teto nem casa – fosse um crime! Assiste-se, em muitas áreas, a verdadeiros retrocessos civilizacionais, como se o azar não pudesse, um dia, bater à porta de qualquer um de nós!

Há exemplos, bem concretos, da aplicação de sanções para mendigos, e para quem os ajude: a proibição da mendicidade e a criminalização de quem pede esmola na Noruega, por exemplo, é uma amostragem da perseguição e da criminalização de que têm sido alvo os Sem-Abrigo na Europa. Em Setembro de 2013, o Parlamento Húngaro aprovou legislação que permite aos seus municípios impor multas, serviço comunitário e até pena de prisão, a pessoas sem-abrigo. O presidente da Câmara de Verona – Itália – diz que os Sem-Abrigo são “uma ameaça à saúde pública”, pelo que, quem decidir alimentá-los, incorre numa multa entre 25 e os 500 euros!

Em Portugal, algumas pessoas, de grande responsabilidade nas áreas sociais, recomendam “bom senso”. Eu alinho nesse tom, totalmente. O que é preciso é mesmo isso. Indagar sobre cada caso, com as suas particularidades - não há histórias de vida iguais - e tudo fazer para ajudar quem carece de apoios.

Mais de 46 anos da minha vida foram passados em Lisboa e nos seus arredores, onde os problemas sociais são bastante mais sérios do que em Leiria. Habituei-me a ver, no dia-a-dia, a miséria nas suas formas mais sórdidas, mas nunca perdi a capacidade de me indignar. Uma pessoa que dorme na rua e se alimenta dos caixotes do lixo (visões muito comuns na Lisboa dos anos 80), hordas de Sem-Abrigo, fazendo das arcadas do Terreiro do Paço o hotel dos desafortunados da vida, todas as noites envoltos em mantas mal cheirosas e pedaços de cartão, ou agora um jovem de tenra idade a pedir esmola, são situações que deveriam envergonhar quem administra o nosso dinheiro e o gasta com primazia em subsídios tauromáquicos e outros degradantes espetáculos perdulários. Urgente e primordial é isto!

Leiria, Avenida Heróis de Angola, 09122019

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