quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Solex



Quando hoje penso nas Solex, umas bicicletas com motor auxiliar na roda dianteira, quase sempre de cor preta, originalmente produzidas em Courbevoie, França, por uma empresa com o mesmo nome, o meu imaginário invariavelmente navega até os episódios burlescos dos filmes de Jacques Tati. Em especial, detenho-me na cena inicial de “Mon Oncle”, de 1958, onde Mr. Hulot surge, risível, montado num desses ciclomotores.

Conheci as Solex em Almada, nos anos 60, ainda eu era uma criança. Importadas de França, eram possuídas apenas pelos filhos dos paizinhos endinheirados e faziam as delícias e, naturalmente, a inveja dos restantes jovens, que sabiam de antemão jamais poder usufruir de luxos iguais. Ser proprietário de uma Solex e ir para a escola montado num desses ciclomotores, gerava ondas de admiração e suspiros nas camadas femininas que ansiavam por “dar uma voltinha”.

Mais tarde, já nos anos 70, haveriam de surgir os ciclomotores “Honda Amigo” e “Maxi Puch”, bastante mais evoluídos e prenunciadores das motorizadas, já sem pedais e com bastante mais potência e perigosidade.
 
Em 1977, fui um sortudo possuidor de uma Casal de 5 velocidades, a minha primeira motorizada, na qual percorri milhares de quilómetros e que deu inicio à minha paixão pelos veículos de duas rodas, gosto que mantenho até aos dias de hoje.
 
Já nessa época, somente quem tinha Honda, Yamaha ou Suzuky, geralmente motorizadas com motor a 4 tempos e de qualidade de construção inegavelmente superior, granjeava algum estatuto e popularidade. Os restantes, os proprietários das Casais, Sachs e Zundapps, com motorização a 2 tempos, barulhentas, a babar óleo e aparentadas com as motorizadas dos aldeões (que ainda hoje circulam no Portugal profundo), eram muitas vezes motivo de achincalhamento.

O Ter foi sempre uma marca de diferenciação e de estatuto – o Ser pouco importava – e creio que a minha primeira consciência de classe deu-se precisamente por estas alturas: havia os que tinham Hondas e Yamahas, os que tinham Casais e Sachs ou Zundapps e, finalmente, os que nada tinham. Os do meio invejavam os meninos- bem das Hondas e os da base da pirâmide invejavam todos. Desde então o mundo não mudou nadinha.


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