sexta-feira, 8 de abril de 2022

Assistência em viagem

 



Ontem sucedeu-me algo que provavelmente já aconteceu, pelo menos uma vez, na vida de qualquer um de nós que seja proprietário de um automóvel. Como, regra geral, tenho sempre carros velhos, estas situações são um lugar-comum nos meus quotidianos

Numa viagem de Leiria para Almada, na auto-estrada, o carro começou a falhar a injeção do combustível e sentiam-se alguns solavancos sempre que faltava o gasóleo. Temendo que o carro parasse em plena auto-estrada, decidi não desligar o motor e seguir viagem até ao meu destino. Após o almoço, quando tentei pôr o automóvel em marcha, o motor estava morto.

Como qualquer comum mortal, chamei a assistência em viagem da minha seguradora, que são os anjos da guarda que nos acodem em momentos tão aflitivos. Depois de concluir todo o processo, cheguei à conclusão de que hoje em dia o proprietário de um automóvel, ou ciclomotor, para além de ter a carta e saber conduzir, tem de preencher certos requisitos pessoais a saber: dominar a navegação pela Internet, aceder a um smart phone e compreender a língua inglesa, isto se quer ver a sua situação resolvida em caso de avaria ou acidente.

1 – Quando se telefona para o número da assistência em viagem, responde um gravador que nos faz perguntas às quais vamos respondendo sim ou não. No final existe sempre a opção de poder falar diretamente com um operador, mas pode demorar séculos até que atendam o telefone do outro lado. É bom que a pessoa em questão seja paciente e apreciador de música de elevadores passada em repeat. Nestas situações o que mais nos falta é paciência e boa disposição.

2 – De seguida, temos de carregar num link que nos é fornecido por sms para dar conhecimento do local onde estamos, bem como para chamar um serviço da TDV, que nos transportará até uma empresa de aluguer de veículos. Essa comodidade do táxi nos levar até à porta de casa, desde o local da avaria, já terminou. Fica muito mais barato para as seguradoras alugarem um automóvel de substituição.

3 – Na rent-a-car, fornecem-nos um veículo classe C (por vezes inferior ao automóvel de que ficámos privados) e temos 24 horas para o devolver, com o depósito atestado, na sucursal da rent-a-car da cidade onde moramos. Antes disso, temos de deixar uma caução no valor de 80 euros que supostamente nos é devolvida aquando da entrega da viatura.

4 – Finalmente, novamente através da assistência em viagem e do esquema de resposta a gravações automáticas e links por eles enviados (não sem antes termos de escutar cerca de 20 minutos de música de elevadores), chama-se novamente uma viatura TDV para nos levar até à porta de casa.

Para um paisano como eu, que, por força de circunstâncias profissionais e pessoais, lida razoavelmente bem com as tecnologias de informação na ótica do utilizador, tudo parece lógico, assertivo, prático e eficaz. Acontece que uma larguíssima faixa da nossa população que conduz automóveis e ciclomotores,  tem níveis de iliteracia e/ou analfabetismo elevados. Falta referir a falta de domínio da língua inglesa, para perceber as sms que chegam ao nosso telefone no linguarejar do Shakespeare, a propósito do veiculo TDV que vem ao nosso encontro, ou os links a que temos de aceder via Internet num imprescindível smart phone de que temos ser portadores.

As novíssimas tecnologias da informação são o presente e o futuro do nosso quotidiano e é incontornável que assim seja. Mas existe uma larga faixa da nossa população que nem para levantar dinheiro num terminal multibanco tem competências, quanto mais para se desenvencilhar num caso de necessidade premente de chamar uma assistência em viagem. E eles não contam?

Temos de esperar por mais duas gerações até que os info-excluídos que ainda existem deixem o mundo dos vivos. Mas até lá, por razoabilidade, deveria existir sempre uma alternativa B para estas situações: um atendimento personalizado que fizesse a papinha toda a esta camada de condutores que se vão ver gregos e chineses quando, a propósito de uma pane na sua viatura, se deparem com uma panóplia de modernices das quais se vão ter de se desenrascar.






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