quarta-feira, 27 de abril de 2022

Sexo versus notas na FDLisboa

 

Lendo agora notícias sobre os diversos casos de assédio na FDL, o meu espanto está mais ligado ao facto de somente agora se falar abertamente nesta situação do que propriamente sobre os crimes em si. Tratam-se supostamente de crimes de assédio e outras tipologias, dependendo do que ficar provado, se se esmiuçar bem o assunto. Até ao momento, trinta e um professores estão a ser acusados por estudantes de assédio e discriminação. Não acredito que se consiga fazer prova contra todos, pois nestes casos alguma culpa morre sempre solteira.

Frequentei a FDL desde o início dos anos 80 e já nessa altura se falava abertamente de determinadas alunas que “faziam as cadeiras na horizontal”. E a situação era tão corriqueira que surgia aos nossos olhos como um facto normalizado, algo que era impossível combater, por falta de provas concretas ou interesse real em fazer a denúncia, uma vez que a situação, tanto quanto sei, era perfeitamente aceite e consensual. Na Faculdade de Letras, onde igualmente fui aluno, nunca escutei rumores com a mesma consistência, embora muitas alunas lanchassem com os professores no bar, em alegre cavaqueira e organizassem diversos jantares juntos. No entanto, nunca tive conhecimento de algo tão generalizado como aquilo que se passava no edifício dianteiro. Os candidatos a juristas eram os que mais depressa se dispunham a infringir as leis e a urgência dos fins justificavam os meios.

O que nós estudantes noturnos tomávamos conhecimento nos idos anos 80, era da existência de alunas que voluntariamente faziam favores sexuais aos professores em troca de notas inflacionadas que as fizessem dispensar das provas orais. Pelo menos das provas orais stricto sensu, no sentido mais benigno e inocente da expressão. Igualmente, aquando do exame, a passagem a determinadas disciplinas estava garantida se as ditas voluntárias do sexo se prestassem à entrega de amor aos examinadores.

Muitos de nós, pelo menos os que se interessavam por esta mexeriqueira, onde eu me incluo, comentavam sobre as colegas e os professores que estavam indubitavelmente num relacionamento que extravasava a amizade. As conversas, a maioria das vezes, decorriam nos esconsos dos corredores gigantescos do edifício “Estado Novo” da autoria de Porfirio Pardal Monteiro. A casa onde me formei em leis sempre me esmagou pela sua grandeza pautada pela simetria, em que o mármore é adornado por pinturas da autoria de José de Almada Negreiros. A Faculdade de Letras e o edifício da Reitoria, são obra do mesmo arquiteto e as paredes de dois destes estabelecimentos são testemunhas silentes de muitas conversas e atos inconfessáveis que por ali tiveram lugar, em especial no período da noite. Mas isso são outras histórias e para outro lugar.

No final das aulas, já depois das 23h00, quem tivesse curiosidade e não quisesse correr logo para o transporte, ou pôr o motor do carro em marcha, e decidisse antes ficar no estacionamento dianteiro à porta da Faculdade, dentro do carro e com as luzes apagadas, observava, invariavelmente as useiras alunas a entrarem para os automóveis dos professores Casanova. Alguns não se preocupavam sequer com a indiscrição; outros, mais tímidos e cautelosos, para darem menos nas vistas, apanhavam as estudantes do amor já perto do Campo Grande.

O que agora é relatado nos jornais é bem diferente. Segundo li, trata-se de práticas de assédio e chantagem: exigência de sexo por parte dos docentes para garantir o sucesso escolar. Mas, nos idos anos 80, na Faculdade de Direito de Lisboa, o que se assistia era a uma relação mercantil, por ambos consentida, professores e alunas - nalguns casos era o aluno que oferecia sexo à professora - praticada quase às claras.

Bastantes anos se passaram desde então e os protagonistas destas peripécias, muitos deles, são pessoas casadas e com filhos, com profissões seguras, na advocacia ou na magistratura, e, inclusive, alguns deles já não pertencem ao clube dos vivos.

Na época, muitas das alunas, alunos e professores envolvidos neste ménage universitário, já tinham a sua vida marital e a respetiva prole. Mas isso nunca impediu que as práticas sucedessem. Era complicado, se não muitas vezes impossível, pelo menos com alguns docentes, ter sucesso a certas disciplinas, face ao rigor dos examinadores - que, também se dizia, tinham ordens expressas para reprovarem com certas percentagens, com o intuito de se manter a boa linhagem e o prestigio da Faculdade de Direito de Lisboa: à época, o estabelecimento de ensino superior com maior pedigree, medido pela quantidade de chumbos.

Um grande amigo e colega de curso, infelizmente já falecido, confessou-me que, também ele, tinha sido gigolo de uma determinada assistente, com vista a garantir uma nota elevada na avaliação contínua e a dispensa na prova oral – onde acontecia a maior percentagem das reprovações. Atendendo à pessoa que ele era, não me espantou a confissão.

Mas tudo isto é um passado com mais de quarenta anos e nem por isso ouso, sequer, desclassificar o nome das pessoas envolvidas; aliás, jamais o faria. Apeteceu-me, no entanto, relatar algo que à data era uma prática corriqueira e perfeitamente normalizada que, estou certo, não acontecia somente na FDL mas porventura em quase todos os estabelecimentos de ensino superior. E as coisas não mudam tanto assim. Assim existam corruptores e corrompidos e a relação contratual a ambos satisfaça.

Quase todos nós sabíamos o que se passava, e refiro-me aos trabalhadores-estudantes, como eu, que frequentavam o dito estabelecimento de ensino, com aulas teóricas e práticas a começarem às 18h00 e a terminarem às 23h00, isto depois de uma árdua jornada de trabalho. As olheiras vincadas nos rostos e os olhos marejados de lágrimas de tanto bocejar de cansaço, não nos impediam de ver certas alunas tomar boleia no final das aulas com determinados professores. A promiscuidade era vulgar e nem existia um grande cuidado para esconder o evidente. O espanto é que, volvidos mais de quarenta, anos leia-se nos jornais estes segredos de Polichinelo.



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