quinta-feira, 30 de março de 2017

O prazer de ler

Eu sou um bibliófilo assumido e um leitor compulsivo. Adoro livros, tenho que ler quase todos os dias e tenho uma biblioteca grande que aumenta sempre e sempre. Acho a maior tristeza ver uma casa sem livros. Não posso falar simplesmente do meu gosto pela leitura, porque em matéria de livros o meu caso é muito mais grave: é um amor que vem desde a infância, que me tem acompanhado a vida inteira e é incurável. Não se trata, portanto, de um interesse periférico, e o prazer que me tem proporcionado faz com que eu procure, permanentemente, levar mais pessoas a desfrutá-lo. Daí aproveitar qualquer oportunidade para inocular o vírus do amor aos livros em todos os potenciais leitores.

O prazer que um livro pode proporcionar tem múltiplos aspetos e abre horizontes ilimitados, no entanto ainda é mais fácil promover a leitura na infância do que na juventude ou na idade adulta, uma vez que a televisão e a Internet absorveram a maior parte do tempo vago das pessoas. É uma pena, pois a concentração provocada pela leitura, desperta muito mais a imaginação e a criatividade do que a imagem fugaz de um ecrã ou as informações facilitadoras da web. O que quero dizer é que tanto a televisão como a Internet têm o inconveniente de vir como pratos feitos, não exigindo criação, reflexão ou análise, ao passo que um livro pode desencadear um processo mental bem menos efémero, indo muito além de mero instrumento imediato de informação.

Se o livro, antes da televisão e do computador, atingia um número limitado de pessoas, o facto é bem mais preocupante nos nossos dias, mas um esforço em favor da leitura ainda pode dar bons frutos. O livro transmite pensamentos, traduz emoções, estimula a imaginação e o sonho, permite que as nossas vivências quotidianas se transformem num mundo cheio de encantos e seduções, dando à vida um sentido intelectual e espiritual de inestimável valor. O romance, a poesia, o drama e a comédia, permitem ao leitor identificar-se com personagens ideais, amparar as suas angústias e inquietações. Poder-se-ia dizer que tudo isso também pode ser proporcionado pela televisão, mas a imagem dos modernos meios de comunicação é fugidia, ao passo que o livro, companheiro de todas as horas, tem uma facilidade de acesso e de uso insuperáveis. Reconheço que o perigo da obsessão existe e deve ser combatido, mas os livros e os outros meios de comunicação não são, necessariamente, excludentes e o prazer da leitura deveria ser proclamado por todos os meios e modos, especialmente pelos media, que com isso pagariam boa parte de seus pecados. 

A minha experiência em matéria de leitura, começou cedo. O que não consegui, nem quis, foi estabelecer uma leitura metódica, com objetivos determinados. Fui sempre um leitor indisciplinado, achando que o livro foi feito para nós e não nós para o livro. Portanto, sempre me bastou, para ler uma obra, que ela me interessasse, sem me preocupar se era importante ou não. Com isso, perdi certamente muito tempo lendo coisas de que nem sequer me lembro, mas não lamento pois na hora, provavelmente, senti prazer e consolidei o hábito da leitura. 

Nunca consegui acompanhar a opinião de Thomas Mann, quando dizia que a leitura dos bons livros deveria ser proibida, porque existem os ótimos. Em primeiro lugar porque o conceito de ótimo é muito relativo, e depois porque há muitas outras razões para se ler um livro, além da sua qualidade literária intrínseca. 

É claro que há limites que não se conseguem transpor. O principal é o tempo. Por mais que se leia, não se consegue ler tudo e uma certa seletividade se impõe. Mas cada um deve fazer as suas próprias escolhas, procurando não se ater a critérios rígidos, nem se considerar culpado por ocasionais desvios, passando de Flaubert a Astérix ou de Shakespeare a Stephen King. O mundo da leitura deve ser um mundo de liberdade intelectual. 


2010 - Publicado no "O Mirante"



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