terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Da página em branco

Por vezes temos uma ideia na cabeça que queremos desenvolver através da escrita. Pode ser um pensamento que surgiu à hora do almoço, depois da jornada de trabalho, ou algo que anda a ruminar há algum tempo na nossa mente; mas chegada a hora de escrever, outra coisa diferente, ambígua, até, jorra-nos dos dedos. Começamos a escrever e a nossa mente divaga, já que a nossa existência é feita de um contínuo de pequenos acontecimentos, a maioria sem grande importância nem impacto. De vez em quando, muito de vez em quando, o fluir dos dias agiganta-se, abrilhanta-se e, então, dizemos que aconteceu algo de especial e guardamos datas na memória, sentimentos quentes e ternos ou assustados e infelizes algures dentro de nós. Alguns encaram com leveza os dias que correm. Lembram-se dos tempos da infância e sorriem condescendentes com o que foram. Partilham com os amigos histórias improváveis, exageradas, cheias de feitos e de graças e divertem-se com isso. Olham para sonhos que não se cumpriram e objectivos que não se alcançaram e o coração não se aperta nem descem véus de angústia ou derrota. Para outros, o passado, o futuro e, sobretudo, o presente desgastam. Há uma queixa fina e virulenta, uma espécie de lamuria, que se torna numa inquietação permanente e sem objecto que corrói, que transforma todos os momentos em tempo perdido, como se a felicidade e a vida estivessem sempre noutro lugar. Viver pachorrento ou inquieto, tranquilo ou perturbado, não é bem uma opção. Em cima de um temperamento que nos calha em sina, acumulam-se experiências e formas de lidar com o que nos acontece, que nos transforma exactamente no que somos: nós mesmos, únicos, diferentes, extraordinários por isso. Somos quem somos, por acaso e sem escolha, já que não nos soubemos fazer de outra maneira. O que nos afirma como únicos é, no entanto, a nossa forma particular de dizer não e, a partir daí, reconstruir-mos o (nosso) mundo - se é que ainda vamos a tempo. Temos de fazer um esforço, sermos pro-activos, e não estarmos sempre à espera de uma melhoria das contingências exteriores para fazermos algo por nós. Mas tudo isto, depois de escrito, soa a receita fácil,  já que é impossível fazer a nossa vida retornar à pureza dúctil de uma página em branco. E, uma vez mais, como se vê, para o escritor é mais fácil prescrever soluções generalistas (para os outros) do que as considerar para si mesmo.

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