sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O gosto do cheiro a póvora

As lutas continuas desgastam-nos, envelhecem-nos, separam-nos. Prefiro de longe o consenso ao conflito, a concórdia à guerra. E quando discordo em absoluto de alguém, inamovível e inconversável, regra geral, deixo-o falar sozinho. Sempre que possível, evito o conflito, a escalada originada por uma discussão, que, regra geral, conduz à irracionalidade e ao débito de descargas emocionais absurdas, desajustadas e ocas, proferidas apenas com o fito de magoar. Nessa fase, aquilo que parecia ser à partida uma saudável troca de argumentos, um desajuste que se queria ver ajustado, transforma-se numa espiral de agressividade. Não raro, naturalmente por defeito meu, que suspeito tenha a ver com a verbosidade enfática com que defendo certas teses, acontece muitas pessoas sentirem um prazer quase mórbido em me contrariar. Não que a atitude de contra argumentar, a clivagem, seja pouco salutar, ou construtivamente incorrecta. Antes pelo contrário. E não foram raras as vezes em que, à conversa com pessoas muito mais sensatas e lúcidas do que eu, depois de alguma introspecção, me tenha forçado a mudar de pensamentos e atitudes. O cerne da questão é outro. Refiro-me naturalmente à guerrilha em que rapidamente se pode transformar uma troca de argumentos contrários e inconciliáveis. E as tensões são sempre superiores quando as principais linhas de clivagem se situam no plano da moral, ou no âmago das formas primárias de subjectivar que respeitam a cada um de nós. Quando a discussão tem por temática realidades mundanas, as tensões são indubitavelmente mais baixas, pois a capacidade negocial e conciliatória é maior. O que eu rejeito liminarmente é a querela fácil e brejeira e o transbordar agressivo de quem, por recusar ficar na 'mó de baixo', independentemente da justeza das ideias que contradita e apenas porque sente a sua estima maculada por um argumento que julga lhe está a ser imposto, reage com desproporcionalidade. Todos queremos ser inovadores, donos da razão, seres únicos, dotados de uma armadura moral e de uma estrutura de pensamento assertiva. A natureza humana assim nos fez, dessa forma formatada e irrevogável.

Eu sou, sobretudo, um homem de paz, de mimos e de amor, assumidamente lamechas. Acho que vou envelhecer irremediavelmente assim. Gosto do bom humor e da doçura, detesto a contenda e a crispação, e muitas vezes as minhas atitudes de 'fuga', e uma certa insociabilidade, são confundidas com cobardia. Há justamente quem pense que para mantermos íntegra a nossa personalidade, para nos sentirmos valorizados como pessoas, devemos ter sempre pronta na ponta da língua, uma resposta implacável e demolidora, como fora uma espada apta a ser desembainhada, perante um argumento ou uma crítica que nos desagrade. Deixo essa gloriosa tarefa para os fazedores de opinião que ganham a vida participando em debates e contendas. Tenho uma estrutura de pensamento, arquétipos morais, vícios, preconceitos, contradições, tiques, e não sei quantos mais defeitos, com mais de meio século de sedimentação. Admito e agradeço que me mostrem o outro lado do espelho, me façam mudar de opinião, me coloquem num lugar onde a forma como perspectivo as coisas possa ter um olhar diferente e me conduza a conclusões opostas. Não tenho é pachorra para corridinhas para ver quem chega em primeiro lugar, degladiações  frustres, contendas onde a regra é ganhar o que berrar mais alto os seus argumentos e for capaz de colocar a voz duas oitavas acima. Em troca dessa consciente abdicação, aceito para a minha vida um acrescento de solidão, uma sociabilidade mitigada e uma maneira cada vez mais selectiva na forma como escolho aqueles com quem interajo no tempo e no espaço, aquele que sobra depois de o usufruir comigo e com aqueles que mais admiro e mais amo.

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