segunda-feira, 17 de abril de 2017

Apologia da solidão

Há muito tempo que não escrevo com o coração. Sei que tenho andado um pouco arredado de mim mesmo e com uma vontade diminuída de expor as minhas entranhas. Esta coisa de termos vários espaços de escrita, como é o meu caso, dilacera-nos um pouco. Num espaço público, obedecemos à regra da contenção, uma vez que não nos protegemos com o anonimato e tudo o que escrevemos é passível de ser lido pelos outros, sem que haja ameaça à reserva da nossa intimidade. Noutros espaços, a coberto do anonimato, podemos extraviar o que nos vai na alma sem a preocupação de termos de nos proteger. Tal não significa que em ambas as situações não sejamos nós mesmos, mas existe sempre a diferença entre o que é dizível em público e o que não é. 

No nosso quotidiano, as multidões de gente nas ruas, a voracidade dos dias ocupados, o trânsito caótico, o corre-corre de um lado para o outro e as preocupações no trabalho, parecem ampliar o sentimento de isolamento, ao invés de conceder a esperável sensação de companhia; e a escrita é, sem dúvida, um dos melhores refúgios para os solitários por opção; ou por falta dela. No meu caso, sei que existe uma certa situação de isolamento social, voluntária e paulatinamente construída ao longo dos últimos anos, com evitamentos, escapismos, atitudes de distanciamento ou focagens excessivas, quando não obsessivas, como são o caso da leitura e da escrita. 

Para algumas pessoas solidão é sempre sinónimo de infelicidade. Para mim, a cadente consciência da efemeridade da vida, cada vez mais me empurra para a escolha criteriosa das pessoas com quem quero estar e empregar parte do meu tempo. Trocado por miúdos: já não perco tempo, a menos que para isso seja obrigado, como é o caso do dever profissional, com pessoas e situações que não me digam rigorosamente nada. A conhecida frase "mais vale só do que mal acompanhado", com algumas adaptações, pode muito bem ilustrar aquilo que há muito me vai na alma. Quem se mantém interessante e interessado; quem assume o protagonismo da própria vida; quem investe numa actividade - a escrita, a leitura, as viagens, o sonho! - só porque sim, no que encontra e no que lá está à volta, e não reivindica da vida direitos "naturais"; quem se motiva para o dia seguinte só porque ele vai chegar; quem gosta profundamente de alguém ou de alguma coisa, pode queixar-se de tudo menos de solidão.


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