quarta-feira, 12 de abril de 2017

Sobre a paixão

Hoje, não sei porquê, apeteceu-me falar da paixão, esse estranho sentimento exacerbado entre duas pessoas, capaz de ultrapassar barreiras sociais, diferenças de formação, idades e géneros.

A paixão completamente correspondida causa grandiosa felicidade e satisfação ao apaixonado, pelo contrário qualquer dificuldade para atingir essa plenitude pode trazer grande tristeza, pois o apaixonado só se vê feliz ao conseguir o objeto da sua paixão.

A paixão é, por alguns, encarada como uma patologia amorosa, um superlativo fantasioso da realidade sobre o o outro, tendo em vista que o indivíduo apaixonado se funde no outro, ou seja, perde a sua individualidade, que só é resgatada quando na presença do outro. Com o passar do tempo, essa intensidade de fusão vai se esvaindo, tendo em vista que a paixão é uma idealização mítica do outro.

Temos períodos da nossa vida em que o deslumbramento dos namoros, da atração sexual, da moda, da própria capacidade de perceber imensas abstrações e ficar horas em congeminações sobre o infinito, o sentido da vida, sobre quem se é, de onde se vem e para onde se vai, preenche-nos por completo o pensamento. Deslumbramo-nos depois com relações, com pessoas porque são muito bonitas, muito elegantes, muito inteligentes, muito poderosas, muito qualquer coisa entre o que achamos que queríamos ser e o que queríamos ter. Também nos deslumbramos com o amor, com as coisas que vamos sendo e conseguindo e às vezes ultrapassam as nossas anteriores expetativas, com o mundo que nos rodeia e que em alguns aspetos nos surpreende favoravelmente.

Mas à medida que a idade avança, a capacidade de deslumbramento diminui na direta proporção. 

Penso que deve haver uma arte de amar, para justificar que ao longo dos tempos e de múltiplas formas de expressão o amor seja cantado, louvado, evocado como um sentido central da vida e da existência. Deve haver um jeito particular de alguns para ultrapassarem a emoção do que sentem quando se percebem vinculados a alguém e, a partir disso, construírem poéticas, estéticas e até éticas do ser e do estar.

Alguns, onde eu me incluo, parecem destinados a acreditar que a paixão, e o amor que por vezes se lhe segue, tem de ser pungente e cheio. Que a intensidade é melhor, muito melhor, do que a amenidade. Que o amor é mais profundo ou mais verdadeiro quanto mais exuberante e colorido for. Que o amor, erotizado, sacralizado, tingido de ternura imensa, é essencial à vida e cobre os amantes de uma transcendência única.

Pouco ou muito, ligado a grandes e nobres causas ou a pequenas e insignificantes necessidades, a paixão e o deslumbramento diz de nós mesmos e da nossa necessidade de emoção. Sinto, no que toca à paixão, que resulta mais saboroso pecar por excesso do que por falta, ainda que o equilíbrio seja, para todos nós, apenas uma tendência e não necessariamente o caminho escolhido pelo nosso coração.

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