sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Falar com os outros

 



É um hábito que tenho enraizado e dificilmente dele abdicarei. A propósito de qualquer assunto do dia-a-dia, gosto de entabular conversas com estranhos. Sempre achei que isso favorece o bom relacionamento social e é uma forma de dizermos aos nossos semelhantes que, apesar de não nos conhecermos, eles não nos são indiferentes. Acho absurdo e desumano as pessoas cruzarem-se nos transportes públicos, no supermercado e noutros locais onde se concentram seres iguais a nós e agirem como se estivessem sós. Ignoramo-nos, desviamo-nos uns dos outros para não haver a possibilidade de um mínimo contacto físico, como se os nossos semelhantes tivessem peçonha. Se existe uma convenção social entranhada - e creio que infelizmente assim é - que nos obriga a não comunicarmos com estranhos eu estou definitivamente na bancada da contracorrente. Nem sempre fui bem compreendido e as minhas espontaneidades já conheceram reações de grande desconfiança, mensagens tácitas de atitude inconveniente da minha parte, ou mesmo absoluta frieza.

Acabei de chegar do supermercado onde costumo fazer as minhas compras e iniciei uma breve e interessante conversa com a senhora que me atendeu na secção das comidas prontas. Sou um grande adepto do pronto-a-comer, pelo prático da questão e, agora mais do que nunca, em face do gás, eletricidade, água e detergente que se gasta cada vez que se confeciona uma refeição. Feitas as contas, eu que sou uma nulidade em aritmética e ciências afins, cheguei à brilhante conclusão que, para uma pessoa sozinha, fica mais barato não cozinhar em casa. E foi esse precisamente o mote inicial da nossa troca de ideias.

Fiquei a saber que a senhora mora perto de mim, tem o marido reformado por invalidez, com uma doença grave que o impede de se deslocar sem o apoio de canadianas e ela mesmo é uma grande consumidora de refeições pronto-a-comer, porque não lhe resta tempo para cozinhar. Falámos sobre o brutal aumento do custo de vida em face da guerra e de como vamos fazer face ao repentino aumento dos preços em todas as áreas. Ambos concluímos que as pessoas têm de se preparar psicologicamente – fazer um mind reset, como se diz em algumas áreas de pensamento – para abdicar de gastos e consumos não essenciais à sua existência: dispensa de férias caras, gastos desnecessários e, no limite, optar pelos transportes públicos e/ou meios de locomoção elétricos, não poluentes e económicos, inclusive abdicando definitivamente do carro.

Muitas pessoas com quem interajo no quotidiano, parecem estar alheias do facto de que se encontra em curso uma guerra na Europa, com uma escalada diária do conflito, sendo que a probabilidade de a Nato se envolver diretamente no confronto com a Federação Russa é cada vez mais viável. Infelizmente, não se vislumbra nenhuma saída que seja aceite por qualquer uma das partes envolvidas, daí a paz ser quase uma miríade, algo impossível de alcançar. Os ódios, as mágoas e a sede de vingança, durarão por longos anos, mesmo depois de a guerra terminar. As pessoas ausentam-se do conhecimento das notícias ou ignoram propositadamente o desenrolar dos acontecimentos, para se protegerem de situações de stress. Essa não é e nunca foi a minha forma de agir perante situações agudas. Face a momentos graves, e foram muitos os que aconteceram no decurso da minha vida, num primeiro instante, paraliso e pareço incapaz de agir ou tomar decisões, mas depois torno-me racional, pragmático, assertivo e sobretudo rápido.

Viver, se me fosse pedida uma definição, diria que é simplesmente escolher, pelo menos sempre que nos seja permitida essa opção. Estamos sempre a fazer escolhas: vou para a direita, para esquerda, recuo, avanço, faço isto, faço aquilo? A nossa vida é fruto das nossas escolhas e dos acidentes que aconteceram independentemente das nossas decisões. Mas o grosso da vida que temos é o resultado das escolhas que fizemos.

Eu sempre optei pelo combate, pela sobrevivência, adequando os comportamentos e escolhas conforme o curso da vida, mantendo-me com aquilo que posso ter e abdicando do desnecessário em prol do essencial. Mas julgo que qualquer pessoa minimamente racional pensa desta forma. Não se trata de nenhuma proeza, mas o facto de morar sozinho e auto bastar-me desde os 17 anos, trabalhando de dia e estudando à noite, deu-me uma capacidade de resiliência enorme. A maior lição que podemos colher, superior a quaisquer valências profissionais, diplomas ou habilitações literárias, é nos dada pelo ato de viver longos anos. O tempo é sempre o maior mestre. Todas as dificuldades que passei ao longo da minha vida fizeram-me sofrer, mas eu não seria a pessoa que sou hoje se não tivesse passado por esses tormentos. E esse é o maior desiderato de todas as coisas: o lado positivo que sempre existe.

Comunicativo como estou, depois de vir do supermercado, ainda parei num estabelecimento de comida brasileira, que vai inaugurar hoje a 10 metros da minha casa, o “Snack-Bar Brasil” – um franchising, o terceiro estabelecimento com esta marca que abre na cidade – para falar com o proprietário que me acolheu calorosamente e convidou para ir lá jantar hoje: uma picanha, com arroz, feijão preto, abacaxi e farofa, com um desconto especial, pelo facto de ele me achar uma pessoa simpática e ser seu vizinho.

Afinal, sempre existem mais pessoas que adoram falar com estranhos e nessa forma de estar os nossos irmãos brasileiros são exímios, ou não fossem eles um dos povos mais tagarelas e festivos do mundo.




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