quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Premonições

 Ao longo dos séculos, um número incontável de videntes previram pragas, doenças, epidemias, tumultos, guerras, revoluções, entre outras desgraças, nomeadamente, o fim do mundo. Umas, por coincidência ou não, concretizaram-se, outras nem por isso. O fim da Humanidade já foi profetizado múltiplas vezes e, afinal, ainda continuamos por aqui.

Não me recordo de nenhum vidente moderno ter profetizado os números da lotaria ou, sequer, o dia e hora da sua própria morte. Nas coisas para si mesmos mais importantes, todos falharam, ou não quiseram arriscar a premonição.

Michel de Nostredame, um cidadão francês nascido no século XVI, geralmente latinizado como Nostradamus, foi médico e astrólogo de Catarina de Médicis e tornou-se um vidente de renome aquando da publicação do seu livro mais conhecido Les Prophéties, uma coleção de quase mil quadras poéticas supostamente prevendo eventos futuros.

Tentar decifrar o que Nostradamus previu é algo difícil, devido à ambivalência e aos aspetos místicos contidos nas suas quadras, mas quem fez a exegese dos textos garante que nos mesmos encontram-se previstos uma série de acontecimentos que tiveram lugar nos séculos que se seguiram à sua morte.

Os intérpretes dos seus versos garantem que Nostradamus previu, entre outros acontecimentos: a Revolução Francesa, a ascensão de Hitler, a morte de J.F. Kennedy, o governo ditatorial de Muammar Khaddafi e Saddam Hussein, bem como o atentado às torres gémeas em Nova Iorque e o aparecimento de Osama bin Laden.

Como as profecias de Nostradamus são muitas vezes vagas e enigmáticas, elas podem ser facilmente interpretadas para se adequarem a diferentes eventos ao longo da História. A escrita enigmática — e muitas vezes má tradução do francês medieval original — significa que é fácil especular o que realmente Nostradamus queria dizer. Mas, como em tudo na vida, acredita quem quer.

Segundo li hoje, na secção das "coisas fantásticas" de um reputado jornal, para 2022 o famoso vidente previu o aumento dos preços dos bens alimentares - que efetivamente tem vindo a concretizar-se - e, para o próximo ano, antecipa um grande conflito que poderá mudar o mundo para sempre.

Talvez Nostradamus tenha sido um dos maiores flibusteiros da História e os seus delírios oníricos tenham sido aproveitados, ao longo dos tempos, para efabular acontecimentos extrapolados das suas previsões. Nós, igualmente no século XVI, também tivemos o Bandarra cujas premonições dariam origem ao Sebastianismo e à figura do “Rei Encoberto”, bastante presente na obra de Fernando Pessoa.

Não podendo o homem prever o seu futuro, que muitos acreditam estar escrito nas estrelas e ser um segredo que somente a Deus pertence, existe muitas vezes a necessidade de se acreditar em algo metafísico que confira sentido ao nosso presente, ao devir e à nossa própria existência como seres vivos.

O que estiver para acontecer sucederá, independentemente de previsões oníricas ou delírios de videntes acontecidos há seiscentos anos atrás. A nossa frustre incapacidade de prever contrasta com a certeza de quem tem o poder de comandar os destinos da nossa existência. Muitos acreditam que é Deus. Eu acredito no Bem e no Mal e sei que ambas as forças se digladiarão até à eternidade no seio dos homens, porque sempre assim foi e sempre assim será.




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