quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O Covid 22



Pensava eu, erroneamente, que fazia parte daquele núcleo, já objeto de estudo cientifico, que nunca teve Covid, ainda que muitas vezes partilhando o mesmo teto com pessoas infetadas. Acontece que, ainda que com o esquema vacinal completo - 3 vacinas - o bicho pegou-me. Não tenho uma certeza sustentada por uma evidência, sobre quando, onde e como fui contaminado, mas, uma vez que ando sem máscara, pode ter sido em qualquer lugar. Desconfio dos elevadores do meu prédio. Sempre os vi como incubadores de doenças do trato respiratório. Ninguém usa máscara aquando da sua utilização, o espaço é reduzido e muito facilmente as gotículas que emitimos se mantêm em suspensão no seu interior. Para adensar as minhas suspeitas, sei que há pessoas com Covid no prédio. Deixo, por isso, um aviso à navegação: usem máscara em espaços fechados, sem ventilação, mormente elevadores públicos.

Hoje é o terceiro dia- não o primeiro dia do resto da minha vida, como a canção do Sérgio Godinho, assim o espero - covidiano, para usar um neologismo do qual julgo não ser eu o pai.

Anteontem, farto de me armar em valentão, com dores imensas no ombro direito, devido a uma queda aparatosa numas escadas junto ao prédio da casa da minha mãe, tomei consciência de que: não conseguir dobrar o braço direito, nem tocar guitarra, acordar com dores a meio da noite sem conseguir dormir ainda que usando camadas industriais de reumon gel, era tempo perdido. Vencido pelas evidências, decidi ir às urgências hospitalares, ainda com a sinistra lembrança de lá ter estado 12 horas nos tempos da pandemia.

Estive 6 horas no serviço de urgência e só não se estendeu o tempo porque me dirigi às informações, onde um enfermeiro jovem, com muita má vontade, mas rendido pela minha forte insistência, me informou que eu já tinha sido chamado, pois no sistema informático constava como estando a ser atendido. Entrei no open space dos doentes com pulseira amarela e deparei-me com um cenário digno de um hospital na retaguarda de um campo de batalha. Na sua maioria idosos, os doentes gemiam, com dores ou por mero desespero e tantas eram as macas que não havia literalmente espaço para circular. Os profissionais de saúde, cada vez que queriam chegar perto de um doente, tinham de arredar as macas, por forma a encontrar espaço para conseguirem ver o paciente em questão.

Em condições diferentes, teria feito uma reclamação escrita, por negligência, mas, face ao cenário verdadeiramente bélico com que me deparei, "relevei", como dizem os nossos irmãos brasileiros e aceitei a falha da médica como plenamente justificada. Naquela enfermaria estavam muitas pessoas em condições de saúde piores do que a minha. No meio daquele autêntico caos, crível somente por quem já presenciou uma situação semelhante, consegui ser muito bem atendido por uma médica moldava, a Aline, que me prescreveu medicação. Não admira que o burnout nos profissionais de saúde que laboram nos hospitais seja tão frequente, mas não vi nenhum deles stressado com o cenário dantesco da enfermaria. Cumpriam ritualmente as suas funções, alheios aos gemidos e gritos dos doentes.

Li ontem no "Região de Leiria" que as urgências do Hospital Distrital fecharam no período noturno, estando os doentes a ser reencaminhados para outras unidades hospitalares. A falta de resposta dos hospitais públicos em Portugal, é talvez um dos maiores problemas que o país enfrenta. Fosse eu 1º ministro e tomaria uma decisão radical: alocava tudo o que fossem verbas destinadas a atividades não essenciais, à contratação de profissionais de saúde e construção de novas unidades hospitalares. Desviava o dinheiro atribuído às não essencialidades e diminuía substancialmente os ordenados de políticos e assessores. Lírico, dirão, mas as grandes reviravoltas da História, antes de serem materializadas, foram sempre sonhadas por líricos e idealistas. A maioria das situações não se resolvem por falta de vontade de quem tem poder para decidir. Veja-se a escandalosa contratação para assessor de uma ministra, com um vencimento de 4000 euros/mês, de um jovem com 21 anos de idade, sem qualquer experiência ou currículo, licenciado em Direito há apenas uma semana!

Para além da luxação grave no ombro direito, sentia dores musculares, cansaço generalizado e uma tosse seca, pelo que pedi que me fizessem o teste ao Covid. Sai da unidade hospitalar sabendo estar positivo. Nessa mesma noite, a febre chegou quase aos 39º, com tosse ininterrupta, dores musculares intensas, fraqueza generalizada, suores frios e falta de apetite. Foi mesmo o pior momento, mas felizmente estou em plena recuperação. Isto não é uma "gripezinha", como num dado tempo foi declarado por um alto responsável politico. Caso eu não tivesse o esquema vacinal completo, estaria agora, muito provavelmente, ligado a um ventilador por causa do agravamento das condições respiratórias.

Este pequeno texto tem um propósito maior que é o de agradecer às pessoas que, pelo telefone, pela rede social, através de mensagem ou publicação, desejaram as minhas melhoras. Foram muitos, muitos mais do que algum dia esperei, aqueles que se ofereceram para vir a minha casa tomar conta de mim, ir às compras ou ajudar naquilo que fosse preciso. A todos agradeci e declinei a ajuda, pois desde os 17 anos de idade que tomo conta de mim e habituei-me a fortalecer-me dessa forma. No entanto, estou na primeira linha quando se trata de ajudar o próximo e toda a vida assim fui, mas quando se trata de aceitar ajuda alheia fico bastante relutante. O meu sentido de autonomia e independência atingiu extremos e tenho de rever esta minha estranha forma de ser, só não sei como. Não sou ingrato, apesar do extenso catálogo de defeitos que possuo e tenho consciência de que o valor das pessoas, mais do que pelas palavras, mede-se pela suas ações. Constatei que, para muitos amigos, solidariedade não é uma palavra vã. De novo, o meu muito obrigado.




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