segunda-feira, 3 de julho de 2017

A anátema

Às vezes sinto-me pouco gramatical e apetece-me usar marcas de oralidade na escrita, mas depois não consigo. Tento, tento, e as sucessivas investidas, todas frustres, desanimam-me e soltam a negação.

Um dos meus defeitos é, porventura, o de não me conseguir livrar do espartilho das formas consideradas corretas estabelecidas pela ortografia. São normas que intui e me esforço por bem utilizar, como se escrever bem fosse tão só isso: o domínio de uma técnica: «- O aposto e o vocativo são sempre separados por vírgulas!», dizia ele.

Afinal, bem vistas as coisas, as regras gramaticais não passam de convenções que, na sua origem, não resultam de qualquer imperativo interno à própria língua, e só se tornam obrigatórias porque são aceites oficialmente pela comunidade linguística. As regras da ortografia valem como leis que pretendem regulamentar a atividade da escrita, disciplinando-a, e só admitem desvios – não censuráveis – no discurso poético. Para tudo o que escape a esse universo de permissividade total, existe uma censura atroz.

Acho, com uma certa ironia, que o esforço gasto para um razoável domínio destas competências, de algum modo, também pode ser considerado nefasto e responsável pela espontaneidade perdida; penso nos «efeitos perversos» gerados pela obediência ao crivo severo e burocrático da gramática – às vezes um balde de esterco de conceitos predefinidos, que mais não serve senão para tornar longínqua a comunicação, que deve ser a essência do discurso escrito.

A felicidade que dantes sentia por ter ligado aos textos corretos – as minhas boas leituras! - e ter tido a sorte de conhecer professores corretamente preparados, com qualidade didático-pedagógica, esboroa-se, hoje, nesta reflexão à «la minute» que frustra todas as recomendações de boa sintaxe.

Mas se, o mais das vezes me mostro incapaz de me aligeirar com interjeições, diálogos, graçolas, que me valha a catarse, o desabafo intimista, ainda que só eu lhe entenda o verdadeiro sentido e alcance.

Fico-me, pois, pelo texto rebuscado. Rebuscado de tanto me devassar e pouco ou nada encontrar de novo, não fora aquilo que, de mim, já tão bem conheço.

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