sexta-feira, 21 de julho de 2017

A morte



A morte é um tema que não evito abordar, pois não me traz incomodidade, e prefiro não adiar os pensamentos acerca de um porvir que sei ser inevitável. O fiar dos dias, por nos fazer mais velhos em cada momento que passa, aproxima-nos do prazo da validade biológica dos nossos corpos, que mais não são do que perenes cadáveres adiados. Há um relógio imparável que inicia uma contagem decrescente, com vista ao fim da nossa vida, cujas rodas dentadas começam a girar logo no momento do nosso nascimento. Nascer já é ficar mais velho, logo mais próximo da morte, ainda que esta constatação, por tão evidente, raie uma das celebérrimas redundâncias que garantiram um eterno lugar na História a Messieur de La Palice.

A morte surge muitas vezes como um «acidente», algo imprevisto na marcha de uma vida que se augurava mais longa. E uma das facetas que a caracteriza é esta sua caprichosa forma de ser: uma dama fria, imprevisível. Ela é, quantas vezes, aleatória, ilógica, daí fazer todo o sentido encarar o fluir da vida como uma passagem, uma efemeridade – que pode ser mais curta, ou mais longa, consoante aceleremos, ou não, os comportamentos que nos retiram a saúde, sem contar com os «acidentes» que são rasgões não intencionais no tecido da vida, e que nos ultrapassam por estarem para além do nosso controlo.

Porém, não me apetece falar da morte como uma evidência biológica. Quero, antes, interrogar-me acerca de outra questão. Porque hão de haver pessoas que julgam ser imortais e agem como tal, fazendo desta efemeridade que é a vida uma espécie de reinado? Espezinham o próximo; praticam más ações; não se preocupam com o devir, nem com nada que não lhes sirva ou não lhes diga respeito; perscrutam o interior do seu umbigo de tal forma que, para eles, viver passa a ser sinónimo de «eu tenho de os subsumir para poder viver em pleno». O que vai na mente destas gentes? Como podem ser assim?

Acho que é pedagógico ter sempre presente que a vida é uma vela ao vento. Que basta uma lufada de ar mais forte para que ela se apague. Devemos, pois, manter intacto o agradecimento por este feérico dom, ainda que afastando-o de qualquer sentimento de religiosidade, ainda que só o perspetivando como sendo uma graça da natureza, que, mesmo assim, não deixa por isso de ser divina.

Eu há muito tempo que não temo a morte. Juro-vos!

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