quarta-feira, 12 de julho de 2017

Da Retórica




Nos dias de hoje a expressão ganhou uma conotação pejorativa, diferente, que é comummente aceite como significando «vender banha da cobra». Esta mestria nasceu na Grécia, como todos os melhores estudos e de lá se espalhou pelas mais partes da Europa. É mais moderna do que a Gramática, mas teve a mesma origem.

Querendo os homens na Grécia persuadir aos povos várias coisas, foi necessário que observassem como eles se persuadiam, e quais eram os meios com que se moviam as paixões do ânimo. Assim nasceu a Retórica.

É uma arte quase tão antiga como a Filosofia e esta erudição agradou aos romanos, que se regularam pelo mesmo método; e tantos se entregaram a ela, que, se não excederam os gregos na ciência, sem dúvida, excederam-nos na sua aplicação e exercício, porque, em abono da verdade, chegaram a enamorar-se da sua galantearia e utilidade. Estes últimos, sempre foram a reboque das ideias dos gregos e, em muitas coisas, é verdade que conseguiram ir além.

Por pouco que nos interroguemos sobre o que seja a Retórica, ficamos aproximadamente com a ideia de que é a «arte de persuadir» e, por consequência, que é uma coisa nobilíssima no «comércio humano», nas relações com que nos pautamos uns com os outros. Todo o lugar é teatro para a Retórica. Não agrada um escrito se não é feito com arte; não persuade um discurso se não é formado com método. Afinal, todo o exercício da língua necessita da direção da Retórica.

Mas esta necessidade de «elegância» não pode, a meu ver, dispensar a sensibilidade, pois, de outro modo, como seria possível compor o que seja se se desconhece em absoluto o método de tecer e dilatar os seus próprios argumentos e servir-se das suas próprias razões? O discurso de um homem despido de todo o artifício, tomado no sentido literal da expressão, não é menos do que o caos.

Eu não me considero um sol-posto, nem o centro do universo, antes pelo contrário, malgrado não ser essa a impressão que transmito às pessoas que não me conhecem pessoalmente. Aliás, julgo que os astros que compõem a beleza do universo, não têm, em si mesmos, beleza alguma. É a proporção que os faz vistosos. Assim, também acontece connosco humanos, onde a nossa pertença ocupa um micrométrico espaço a que pomposamente chamamos: «o nosso domínio».

Não me rala se um dia vier a pertencer ao índex dos escreventes sem graça, sem história, pois todos nós sabemos alguma coisa acerca dos nossos demónios e do destino que se lhes reserva. Sabemos o que nos atormenta, o que nos tira o sono, o que nos deixa lívidos de raiva ou rubros de cólera. Sabemos o que nos faz sorrir, o que nos deleita, o que nos transmite prazer. O que interessa é mantermo-nos íntegros, o mais possível, iguais a nós mesmos e conseguirmos sempre, nessas breves visitas às caves da nossa intimidade, estabelecer relações, lobregar causas prováveis, atribuir-lhes sentidos, aceitarmo-nos e ver para lá do visível, do factual e do objetivável. Sobretudo, não nos recearmos e vivermos segundo a batuta daquilo que nos integra, deixando os outros livres para pensar o que lhes aprouver.

E aqueles que não nos querem bem, seja qual for o motivo, ainda que fútil e desacompanhado da informação necessária ao tecimento de julgamentos valorativos, que se afastem e trilhem caminhos, na medida do possível, a leste do rumo que escolhemos dar aos percursos da nossa vida.

De todos os demónios que me habitam, o único que me pode conduzir seguro ao mais vexatório desamor de mim próprio chama-se medo. E eu não receio as críticas. Serei, se quiserem, retórico (no pior dos sentidos), inconsequente, desagregado, narciso, profano, amoral, mas, com cada vez menos predisposição para fazer concessões ao bien-faire que me querem impingir.

Não peço, pois, que me aturem. Essa tarefa é minha, pois há muito que ando com o mundo às costas, para lá e para cá.*

* Um escrito de 2009 - mensagem com destinatário(s) referenciados - que descobri algures numa pasta que tinha como perdida.

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