sexta-feira, 21 de julho de 2017

A todos os ilustres virtuosos desconhecidos


Todos nos deliciamos quando assistimos a algo que esteja bem executado, seja um solo de violino, uma pintura com formas e cores harmoniosas, um livro bem escrito, um poema inspirado, um rasgo de inspiração. A genialidade é um dom que escasseia e sempre que nos deparamos com alguém que exala virtuosismos, seja em que área for, regra geral, deixamo-nos invadir por uma sensação de admiração profunda e, no íntimo, desejávamos ser também um pouco assim.

Há muitas, e algumas curiosas, teorias, para explicar porque alguns de nós, apesar de tudo poucos, conseguem elevados padrões de criatividade. A posse desses tais recursos internos que possibilitam - seja em que área for: artística, literária, científica, técnica – ter recursos internos capazes de transformar, recriar, pegar em elementos dispersos e disponíveis e produzir qualquer coisa que se reconheça como nova, diferente, por vezes mesmo, única, é algo admirável.

Não me atendo a nenhuma das teorias - algumas conheço-as, outras nem por isso -, mas penso que alguns de nós, efetivamente, têm competências específicas, invulgares, quer para a música ou para a diferenciação de sons, para os números, para a pintura, para a escrita, para a poesia, para as artes em geral; e, a par do labor intenso, que é fulcral para alcançar a excelência em qualquer atividade, a influência do meio, o favorecimento evidente de se ter nascido no seio de uma família de elite, uma educação a todos os níveis esmerada, não obnubila o merecimento de se ter nascido com um dom: uma espécie de dádiva divina que, devidamente trabalhada, resultará em algo de reconhecido valor.

A criatividade talvez seja isso mesmo: uma mistura, sem receita, do que ainda subsiste em cada um de nós dos prazeres das brincadeiras da infância perdida – nesse tempo todos eram criadores –, com habilidades específicas, eventualmente biológicas, apuradas por técnicas bem aplicadas e saturadas pelo trabalho árduo.

Aquilo que criamos, o valor daquilo que fazemos bem, está intrinsecamente ligado com a circunstância de o mundo que nos rodeia se dispor a valorizar isso como tal. É por essa via que um jogador de futebol pode ganhar mais dinheiro – o prémio social – pelos seus desempenhos, do que um cirurgião cardiovascular que salve vidas, várias vezes por semana, e tenha estudado mais de 20 anos para obter a excelência na área da sua técnica.

Também aqui a celebérrima lei que rege o mercado – tal como o conhecemos – a oferta versus a procura, valoriza mais ou menos a produção, que se quer única, ou, pelo menos, rara, da nossa arte e engenho para fazer algo de que resulte fascínio, seja por utilidade material ou estética.

Mas há criadores sem obra e isso também é uma verdade irrefutável. E serão mais os que se lhes reconhece o talento e o valor a título póstumo, do que os que têm a sorte de verem reconhecido o seu mérito durante a efémera passagem pela vida. Esses serão, porventura, sempre apelidados de «ilustres desconhecidos».

É a eles que, com a minha recorrente mania da "defesa dos desfavorecidos", me apetece hoje fazer uma longa vénia com um chapéu de feltro virtual, arrastando penas de pavão pelo chão da indiferença - o solo que habitualmente os espezinha.

Virá certamente o dia que se lhes dará o merecido valor.


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