quarta-feira, 5 de julho de 2017

Peregrinação interior


É a desintegração da matéria; é a rebentação do corpo contra o sofrimento; é o sinal do pecado original; é o trágico farrapo da couraça de barro do meu peito ao chocar com a vontade divina; é o espasmo do subconsciente que me liga com a terra. Que mais? Mas eu direi que no fundo da minha dor, quando o pensamento volta a ser árbitro da minha vida, sinto uma grande piedade de mim. E todas as coisas me parecem benignas, e todos os sentimentos quase místicos. E, como uma magnólia de luz, abre-se na minha frente o cruel mundo dos homens. Para além desse mundo é o nada? Não, não! E se assim fosse? Prefiro sonhar-me num campo onde musgos, abetos e faias brincam às escondidas e perder-me, criança, no bosque frondoso. Não quero mais olhar para aquelas árvores, aquele céu, aquelas montanhas que olhávamos, tu e eu, navegando na imensidade do nosso amor sem mácula. Mas, agora que passei num lugar onde as cores se perseguiam atrevidas, descaradas, azul e vermelho, como numa pintura de Chagall, provo o fel da nostalgia da tua ausência. E esta morte trava-me os pés e não me deixa andar; e a cada unhada que a morte cravar no meu cérebro, do meu silêncio farei um grito, e da dor oração.

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