quarta-feira, 12 de julho de 2017

Da inveja




Se há sentimento mais desajeitado, infeliz, irritantemente inútil e absolutamente a dar com nada, só posso estar mesmo a referir-me à inveja. E diferentemente do ciúme ou da cobiça, que lhe são parentes próximos, não se relaciona com algum objeto externo, não corresponde a nenhum desejo concreto e nomeável, ou seja, não se quer forçosamente ter ou ser o que alguém é ou tem. Apenas se sente raiva e zanga pela existência de outros designados - os escolhidos a dedo pela felicidade de ser ou ter: sucesso, beleza, inteligência, riqueza, cultura, capacidade de sedução, charme... e se considera em alta voz que essas mais-valias têm necessariamente subjacentes situações de demérito, ocasos da sorte, injustiças profundas, distrações de Deus...

E ainda que muitas vezes os possuídos por tais sentires reconheçam (para si mesmos – deep inside) o mérito e a justeza na obtenção das qualidades ou pertenças de alguém, não conseguem evitar deixar-se inundar pela estreiteza deste sentimento tão trivial e tornam-se cromos indisfarçáveis.

Este sentimento é tão infeliz - muito infeliz mesmo - que não tem qualquer gratificação: alimenta-se a si mesmo em circuito fechado e é feito de ressentimentos que moem e esmagam, que azedam a vida e as relações, o que torna tudo o que se tem sempre pouco, sempre menor, sempre desvalorizado. E é sobretudo um sentimento inútil, pois apesar de todos os argumentos de fundo que se possam mobilizar acerca da “sorte” de uns e do “azar” de outros, não se consegue mobilizar forças, formas expeditas de ação no sentido de eliminar ou fazer desaparecer os “seres” que causam tal desconforto, já que a sua liquidação física, no mínimo, seria um ato de loucura ou de vingança. Acho, entretanto, que mesmo que isso fosse possível, o invejoso precisaria sempre de um “ódio de estimação e a perda do objeto contra o qual direciona a sua inveja seria rapidamente substituído por outro.

O mais ridículo da inveja é que ela é óbvia e transparente. Apanha-se mais depressa um invejoso do que um mentiroso (não caio no exagero de fazer a comparação com um coxo, pois acho que está ela por ela). A inveja é irreprimível e percebe-se à légua quando alguém destila este fel.

Infelizmente é com este sentimento, de uma vulgaridade quase absurda, com que lidamos no dia-a-dia nas nossas atribulações profissionais, nas relações do quotidiano, e temos de estar preparados para ser a tal “muralha de aço” que não se deixa abater ou azedar com esta água ácida com que muitas vezes nos querem batizar.

Julgo eu, porventura com certezas, que não serei o único que já provou o travo destas mentes acéfalas que serpenteiam sibilinas em redor das horas dos nossos dias. Já não faço nenhum esforço - e consigo ! - para não ser como eles. Há muito que me quedei - esta espécie de franqueza sem cueiros - na admiração pelos mais dotados que, em simultâneo com um quase sentimento de desprezo, nutro pela mediocridade subjacente à inveja e aos que a adotaram como práxis do quotidiano.

Parece pois que estamos todos condenados a viver com esta estirpe, árida e ignóbil, de gente que ainda não aprendeu a canalizar a imensa energia que despende invejando, ao invés de melhorar a sua auto-estima na realização de algo que lhe traga a gratificação capaz de fazer quebrar o ciclo infernal do ver a felicidade através dos olhos dos outros. Haverá, porventura, algo mais triste do que isso? Quase não consigo imaginar!

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