segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Aniversário do MTC - a crónica antecipada

Muitas vezes me perguntam se alguma vez publiquei as coisas que escrevo, ignorando que o acto de escrever pode ser apenas uma catarse, e só isso mesmo. Uma actividade que nos alivia de coisas que de outro modo ficariam a ruminar dentro de nós e que carecem ser por nós interpretadas e posteriormente expulsas. Na verdade, à parte uns quantos poemas publicados num semanário local e a colaboração efémera num pasquim universitário, a coisa mais importante que publiquei foi uma elegia fúnebre, que acabou sendo um poema de amor, gravado a oiro numa lápide do cemitério de Santa Cruz, na Ilha da Madeira. Foi essa a 'publicação' que mais me honrou, quer pela amizade que à data nutria pela pessoa que ma pediu, quer pelo propósito que serviu: a expressão em verso de uma mágoa profunda com a partida de um ente querido. Não menciono a escrita em blogues por ser uma evidência. Mas o mais curioso desta minha incursão pela escrita, acaba por ser a minha estreia como cronista motard.

Por terem lidos uns quantos comentários e algumas crónicas escritas por mim num conhecido site motociclista nacional, quer o José Valença, presidente do MTC, quer o António Costa, fotógrafo e cronista residente, decidiram, unilateralmente, fazer de mim o Fernão Lopes dos motociclistas. Encomendam-me comentários, crónicas, querem que eu seja redactor no site do clube, impõem-me dead lines, pedem-me que eu ilustre com palavras os eventos do MTC, tudo a tempo da publicação semanal no site da associação. Fazendo tábua rasa dos meus argumentos, de que o meu género de escrita, intimista e noticiarista, é mais próprio para publicação em blogues, onde o cunho pessoal está sempre presente, 'deslumbraram-se' com a minha incapacidade natural de ser sumativo e de apreciar os barroquismos literários, e pedem-me que escreva algumas das crónicas dos eventos motociclistas. Será que é desta que os motards puseram os motores a ronronar e descobriram a magia das palavras, ou acharam piada a um companheiro das motas que, além da paixão pelo moto-turismo, também conhece outros gostos, outras paixões, e as partilha com os demais? O que eu, com franqueza, nunca me imaginei foi vir algum dia a escrever crónicas em sites de motociclismo. Para que mais estarei eu guardado, meu Deus?!


As nossas montadas perfiladas ao sol da manhã
O jovem piloto a quem confiei a minha vida por 20 minutos
Coimbra vista do ar numa tarde cheia de sol
O passarinho de alumínio reluzente que me levou ao céu
Pista do aeródromo de Coimbra

Este ano o MTC tem um calendário bastante activo no que respeita a actividades e basta consultar o seu site para constatar isso mesmo. Já perdi um passeio por não ter estado atento às datas e não marquei presença nos "Esquimós", em Valhelhas, por absoluta impossibilidade. Mas hoje, dia 27 de Fevereiro de 2011, dia em que se comemoram vinte e três anos desde o nascimento do MTC, achei que, apesar de ser um sócio demasiado recente e ainda sem história na associação, não podia deixar de participar nesta importante efeméride.

Ainda não percebi bem porquê, atenta a minha incapacidade de escrever sem ser sumativo, e perder-me sempre em redondilhas, pouco consentâneas com uma crónica que ser quer breve e prática, o António Costa insistiu, uma vez mais, para que eu escrevesse algumas linhas sobre este dia.


Quando deixei Leiria, pelas 08h30 da manhã, o céu estava bastante enevoado e a temperatura deixava antever um dia frio e monocromático, mas ao aproximar-me de Condeixa, o sol lembrou-se de dar um ar da sua graça, acabando por nos prendar a todos com um resto de dia quase primaveril. Não encontrei praticamente trânsito nenhum pelo caminho, pelo que circulei a uma velocidade um pouco acima do recomendável para as limitações que a estrada impõe, e rapidamente cheguei à cidade dos doutores.


Atestado o depósito da mota à chegada a Coimbra, dirigi-me para Taveiro, a sede do MTC, onde fui encontrar bastantes camaradas motociclistas em alegre confraternização matinal. Estacionei a Aprilia e comecei por cumprimentar todos, em especial aqueles que já conhecia de anteriores encontros, mas cujos nomes a minha frouxa memória ainda recusa fixar - Há uma vaga esperança de que com o rodar do tempo esta disfunção melhore.


Depois de um curto convívio e dos cafés da praxe, o José Valença, com o seu jeito inimitável de líder desta grande tribo motociclista, pediu a atenção do pessoal presente para dar uma explicação sumária sobre as actividades que nos esperavam, bem como do trajecto a seguir.


[Estavam presentes cerca de trinta motas e seguramente mais de quarenta pessoas, onde se incluíam muitos familiares e amigos dos sócios.]


A incursão começou por uma visita à Adega Cooperativa de Cantanhede, situada na cidade de Cantanhede, terra de vinhas e grandes vinhos, onde se localiza a principal mancha vitícola da Região Demarcada da Bairrada. A cooperativa, fundada em 1954, é responsável pelo fabrico de vinhos e espumantes que ocupam lugares cimeiros na produção nacional, com um peso de relevo na nossa exportação.


A visita começou pelas caves, a lembrarem vagamente as catacumbas romanas, húmidas como se querem todos os espaços onde se produz este tipo de vinhos, onde fomos instruídos acerca das técnicas morosas e delicadas utilizadas no fabrico de espumantes de alto gabarito. A título de curiosidade, já que a cultura nunca é uma demasia para ninguém, aprendemos também que as vinhas da Bairrada, com origem no período das legiões romanas, anteriores aos primórdios da nacionalidade, atestam a secularidade dos nossos vinhos, com especial ênfase para os da região de Cantanhede.


Depois da visita à Adega Cooperativa e após a prova do famoso espumante, já com alguma fome a fazer-se sentir, seguimos viagem com destino ao Aeródromo Municipal de Coimbra, situado em Antanhol, para o almoço, um dos momentos incontornáveis de quaisquer passeios organizados pelo MTC. A ementa, e, porventura, não o mencionaria caso se tratasse exclusivamente da minha opinião - bacalhau fresco no forno -, a avaliar pelas queixas unânimes de muitos camaradas, deixou muito a desejar, mas a boa disposição, sempre presente, e os bolos deliciosos que se seguiram à refeição, chegaram, de sobra, para compensar o prato de 'bacalhau sem sal'.

No almoço, estavam presentes dois motociclistas fundadores do MTC, que tomaram a palavra, com a voz embargada pela emoção, para manifestarem o seu agrado pelo facto da associação, por eles fundada à 23 anos atrás, ainda manter vivo o mesmo espírito que presidiu à sua criação: fazer turismo de mota em ambiente de total fraternidade.


Um dos momentos mais simbólicos do dia foi a pose para o remake da famosa foto, obtida há precisamente 23 anos atrás, na pista do aeródromo, com a diferença de que as motas e os motociclistas eram outros, mas todos imbuídos do mesmo espírito daqueles jovens que decidiram naquele dia fazer nascer o MTC.


Seguiram-se baptismos de voo, a preços módicos, que constituíram uma excelente oportunidade para quem quis voar pela primeira vez; e para os outros, nos quais me incluo, a repetição sempre apetecível de fotografar Coimbra vista lá do alto. O jovem piloto, nas mãos do qual colocámos as nossas vidas durante 20 minutos, afiançou-nos que pilotar aquela ave de alumínio é mais fácil do que conduzir uma mota de grande cilindrada. Vamos lá nós motociclistas acreditar nisso?!..

Despedimo-nos com um até breve, já que dentro de 15 dias vamos encontrar-nos de novo para um passeio mais longo que nos ocupará todo o fim-de-semana. E ansiamos todos por isso.


Jorge Rebelo

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