segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Na margem sul do Tejo, pelos lugares do meu passado

Miradouro dos Capuchos - Vista das Terras da Costa - parte sul da Costa da Caparica

Ontem, um domingo cheio de sol, fiz-me à estrada com a minha Caponord em direcção ao sul, tendo como destino o concelho de Almada, na margem de lá do Tejo. Estava um dia esplendoroso, com o céu profundamente azul, recortado por cima da Serra de Aires e dos Candeeiros,  convidativo para passear de mota. Segui sempre pela estrada nacional, passando por Porto de Mós, Alcobaça, Alcoentre, Alenquer, Castanheira do Ribatejo e Vila Franca de Xira, terras que nunca me canso de admirar, para finalmente, logo a seguir a Alverca e a Sacavém,  entrar nas cercanias de Lisboa. O último lance do percurso, à medida que nos aproximamos da capital, é o mais desagradável, pois o tráfego automóvel começa a intensificar-se para nunca mais parar.  É mesmo a maior diferença que registo na comparação com as terras mais provincianas, e que é de inegável vantagem para estas últimas. Mas tudo correu dentro da normalidade e foram inúmeros os grupos de motards com quem me cruzei, que vinham para norte, com destino à Batalha, mais propriamente à Exposalão, para visitarem uma das mecas do motociclismo nacional que por lá tem lugar todos os anos.  

Há muito tempo que não ia a Almada. A cidade, desde a instalação do metro de superfície que a cortou literalmente em dois, já não é o que era. A maioria das ruas do centro estão vedadas ao trânsito automóvel e encontram-se apenas acessíveis aos moradores. À medida que percorria a longa avenida que vai desde a rotunda do Centro Sul até à zona central da cidade, na minha mente, começava a desenrolar-se um filme em rewind, um desfiar de memórias que todos aqueles lugares me traziam. Cada rua, cada café, cada loja, cada esquina,  adjacentes à imensa avenida, cujo nome já nem recordo, de algum modo, ligavam-se a cenas ocorridas no meu passado. Morei em Almada desde os 2 anos de idade até aos 17 anos, pelo que alguns dos melhores tempos da minha vida estão intrinsecamente ligados àquela cidade. Mas a ida a Almada teve uma razão objectiva. Tratou-se de fazer uma visita à minha mãe, que já não via há bastante tempo, e que simpaticamente me pagou o almoço. Depois de aplacada a saudade e de ter escutado as advertências habituais - as mães são eternamente assim - para os perigos que espreitam todos quantos andam de mota, após um telefonema a um amigo de infância, o Carlos Peres, com quem já não estava há imenso tempo, fiz-me de novo à estrada, desta vez em direcção a Vale Figueira, para os lados da Sobreda de Caparica. Chegado lá, constatei que o Carlos afinal não estava em casa. Tinha ido ao cinema com a mulher e os filhos e só ao final da tarde podia-se encontrar comigo. Como ainda era cedo e não estava disposto a esperar tanto tempo, decidi tentar a visita a outro amigo, que não morava muito longe dali, em Belverde, um lugar idílico situado no meio dum imenso pinhal,  para os lados da Aroeira, entre a Fonte da Telha e a Cruz de Pau.

Atravessei a Charneca da Caparica, todos eles lugares da minha infância e juventude, passei pela Mata dos Medos - onde, nos idos anos sessenta, a minha família, entre outras tantas, já que era um costume da época, fazia picnicks; e nós, a miudagem, espairecíamos a correr pela mata adentro, enquanto o meu pai, refastelado numa rede, com o rádio sintonizado no Rádio Clube Português, dormia as suas eternas sonecas após o almoço enquanto a mãe, coitada, lavava a loiça - e segui até Belverde, sempre pela orla dos verdejantes pinhais, em homenagem ao dia soalheiro, pelejados de picniqueiros, num costume que parece não ter abrandado até aos dias de hoje. Estacionei a mota junto ao restaurante "A Cabaça", há trinta anos atrás, uma referência por aquelas bandas,  hoje em franca decadência, e fui tocar à campainha da vivenda do Padinha, um amigo músico que nunca fez outra coisa na vida. O velho Toyota Corolla branco, com a pintura a estalar pelo rodar dos anos, encontrava-se estacionado à porta, sinal de que  ele estava em casa. Fartei-me de tocar à campainha mas ninguém veio abrir a porta. Quando estava prestes a desistir, o vizinho da moradia da frente, muito prestimoso, chamou-me para me informar que o Sr. Padinha compõe música no computador durante toda a noite e de dia dorme, só acordando ao final da tarde. Há tempos, segundo me informou, foi preciso falar com ele durante o dia, por causa do arranjo de um problema qualquer nos canos, e foi uma carga de trabalhos para ele abrir a porta. Teve de vir o pai, de Almada, com a chave de casa,  porque o Rui Padinha, antes do cair da tarde,  nem com um tremor de terra de grau 8 na escala de Richter abre as pestanas.

Voltei para trás, sempre pelos pinhais, desta vez de frente para o sol,  passei pelas praias da Caparica, entrei num trânsito caótico que se aglomerava à chegada à Costa da Caparica,  e tive de andar a serpentear pelo meio dos carros, malabarismo que se torna ainda mais complicado desde que coloquei uns alforges laterais na mota. Fiz uma última paragem no miradouro do Convento dos Capuchos, de onde se pode ter uma visão privilegiada sobre a Costa da Caparica, com o oceano em frente, e, para sul,  as Terras da Costa a perder de vista. Foi lá que tirei a única fotografia desta minha pequena viagem. Ainda telefonei a um terceiro amigo, o João Venceslau, que ficou radiante com o meu telefonema, mas informou-me que só tinha disponibilidade para estar comigo por volta das 21h00. Ora, por essa hora já eu queria estar em Leiria, de banho tomado, com alguma coisa no estômago e, como de costume, de volta do computador. Despedi-me dele com aquela frase lacónica e gasta pelo uso: "Um abraço. Vemo-nos então noutra oportunidade.." – que ambos sabemos, pode ou não acontecer. A vida é madrasta e lá diz o apanágio:  longe da vista, longe do coração. As pessoas deixam de conviver, afastam-se no plano geográfico e depois, em consequência, vão perdendo as referências mútuas, estabelecem novas amizades, novos interesses, o que não deixa de ser cruel, mas natural. Eu é que sou um saudosista, alguém que ainda acredita poder resgatar amizades antigas que, em tempos, foram presentes e intimas, quase quotidianas. Mas a realidade desmente-me. Com alguma pena, mas sem dor, com um conformismo depurado pelo sentimento de que a vida é mesmo assim, fiz-me de novo à estrada e só parei em casa. Pelo caminho, entretanto, o dia foi escurecendo e esfriando, tal como eu. 




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