sexta-feira, 11 de março de 2011

Já tenho a cabeça a arpejar...

O velho tocador de viola - Pablo Picasso na sua fase obsessiva pelo azul
[ blue, a cor da tristeza]
Os meus TPC, receitados pelo jovem Donato, constam dos seguintes exercícios: dedilhados, arpejos, escalas cromáticas, vários acordes, passagem, sem erros, de uns acordes para os outros, com ritmo; tudo isto para estudar em casa durante a semana (no mínimo duas horas por dia, diz-me o  docente, esse grande lírico!) e interpretar (quase) na perfeição, a fim de lhe apresentar já na próxima aula!

Já me estou a imaginar a dizer ao meu chefe que, malgrado as imensas escrituras que há para fazer, valores culturais mais altos se levantam e vou ter de sair todos os dias mais cedo para treinar arpejos. Isso, sim, seria ter uma atitude de um rasgo de humor descomunal, qualidade que muito aprecio, mas que, infelizmente, não mora no cardápio das parcas virtudes do meu subordinante.

Mas voltando à música, a verdade é que me sinto constrangido como um jovenzinho que está a estudar para um exame e tem medo de não conseguir dominar as matérias e reprovar. O jovem professor Donato, italiano de nascença, com quem mantenho aulas particulares de guitarra acústica, é oriundo da Escola Clássica e, como todos os puristas, prefere instrumentos com cordas de nylon e não simpatiza com sons electrificados. Formado em Ciências Musicais pelo Conservatório  Nacional e pela Academia dos Amadores de Música de Lisboa, é um músico brilhante, mas esquece-se - ainda não percebi se o faz de propósito - que tem pela frente o esquisso de um aspirante a musicante, que apenas almeja aprender umas quantas cançonetas  capazes de distrair a sua solidão. Não sei se estarei, porventura, a desconsiderar-me em demasia, mas calculo que a miríade dos projectos musicais que o Professor Donato efabula para este seu  implume aluno, jamais ganharão foros de concretização. Apetece-me gargalhar, mas faço-o para dentro, quando ele me garante que, com trabalho afincado, daqui a um ano já estarei a tocar sonatas de Bach. Imagine-se! Na verdade, sinto um certo pudor em lhe revelar a estreiteza das minhas ambições como músico, pois sei que essa confissão o ofenderia. O erro foi meu e só meu. Desmesurei-me e sucumbi à tentação de aprender guitarra acústica com alguém que toca, estuda e ensina o instrumento há quase 30 anos. Não admira que as fasquias musicais do emérito Donato pouco ou nada tenham a ver com os meus miseráveis sonhos de um dia vir a tocar música pimba nos Bailes da Pinha da Aldeia de Monte Redondo. Das duas uma: ou desisto ou emendo a fasquia das minhas ambições.


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