sábado, 26 de março de 2011

São palavras assim...

Há cerca de dez anos atrás - decididamente muito mais literato lambiscado, desprezando por completo os processos simples, fáceis, de construção textual, numa fase em que as minhas preferências se focavam na escrita de poesia e prosa poética - saiam-me, em catadupa, poemas e textos em que a expressão do amor, e sobretudo da paixão, quase tocavam o ridículo. Mas, como dizia Pessoa, 'todas as cartas de amor são ridículas, ou não seriam cartas de amor',  e nesse sentido estarei porventura desculpado. À época, que não é tão distante assim, a minha prosa poética, eivada de matizes ultra românticas, não conseguia outra forma de expressão. Duvido que hoje conseguisse escrever assim.

Este texto, por insistência de uma pessoa amiga, foi publicado num semanário regional e igualmente num pasquim, originais em formato de papel que não guardei, tendo recebido elogios que me deixaram embaraçado. O elogio incomoda. É um excesso mesmo quando é verdade. É uma espécie de gentileza sem tacto. Claro que quem elogia pretende ser amável, mas confunde a divulgação mediática com a qualidade e repete sempre um clichê que ouviu a alguém. O aspirante a poeta, cheio de ambições, é aniquilado por este elogio. Perante elogios feitos daquela forma, percebe-se logo que o elogiador não lê poesia e o autor sente-se humilhado perante aqueles que efectivamente a lêm e possuem a sensibilidade apurada para a apreciarem. Foi precisamente essa a sensação deixada e a experiência, por minha opção, jamais se repetiu.

Uma das maravilhas da plataforma do blogger é a possibilidade de publicação de textos em diferido. É o caso deste post, que deixei a marinar na sexta-feira para que fosse publicado, hoje, sábado. E, à falta de imaginação para textos novos, e sobretudo de tempo disponível para o fazer, vou desencantando velharias do baú. Por estas alturas, estarei no sul, algures nas bandas da Costa da Caparica, para mais um passeio de fim-de-semana, que, com excepção da região norte/centro, se espera sem chuva. A ver vamos. 

Um libreto de amor

Há palavras que têm sabor, palavras que se deixam degustar enquanto as sentimos rolar por sobre a língua, antes de abrirmos ao de leve os lábios para as deixarmos sair;
 
Enquanto existem em mim, sabem a sonhos, a esperança, mas quando mas calas com um beijo e fogem para a tua boca, sabem-me a amor e a paixão; quando mais tarde as exalas inesperadamente, sabem-me a destino;
 
Quando mas sussurras ao ouvido; quando mas gravas com os dedos sobre a pele; quando mergulho os meus olhos nos teus e as vejo navegar na tua alma; quando vislumbro uma sílaba perdida no canto da tua boca e provo uma letra apressada no gosto do teu sorriso...
 
Há palavras que têm cheiro a mil passeios de mãos dadas, no parque, na praia…; que soam como música perdida nas estrofes de vento que refrescam o verão…; que uivam na tempestade para que as lembremos para sempre…; que cantam para nós de manhã para que o nosso despertar seja suave e melodioso…; que nos imprimem vida, movimento, ritmo…
 
Há palavras que nascem bem dentro de nós e que ficam lá mesmo depois de as gritarmos ao vento e de as levarmos pela mão a conhecer o mundo de outra pessoa. Palavras que embalamos sem mesmo nos darmos conta e das quais nos alimentamos com cada vez mais avidez…
 
São palavras que um dia nos batem à porta de mansinho e nos pedem para entrar… e não encontramos forças para as mandar embora… e deixamos que fiquem e que, aos poucos, vão tomando conta de nós… exigindo ser o nosso centro… o âmago de tudo…
 
E, quando enfim, derrubadas todas as barreiras, nos preenchem, querem mais, querem ser partilhadas, porque são especiais, porque querem colorir os dias daqueles que amamos e unir-nos ainda mais, sem pressas, porque têm todo o tempo do mundo para fazer-nos felizes…
 
São palavras assim como: Amo-te! … Que me aproximam de ti a cada dia que passa, palavras que me preencheram os silêncios e me elevaram os sonhos e, em cada um deles, consigo entrever linhas de vida ainda inenarradas, acenando-me por entre os traços do teu sorriso,  convidando-me a aproximar-me, a prová-las na tua boca para sentir que são iguais às minhas, e que também elas querem que fiquemos juntos para sempre…


Jorge Rebelo


* Escrito no ano 2001, na cidade do Barreiro, num momento de 'intensidade' que faz muito tempo não aflora a minha mente, esta minha (antiga) faceta encontra-se porventura num limbo, à espera de uma notificação para sair do 'idilicamente' e reencarnar em mim, ser pecaminoso. [Os homens são espantosamente sempre mais vulgares do que aquilo que escrevem e eu não fujo a essa regra.]

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