quarta-feira, 25 de abril de 2012

A dádiva do perdão




 
 
A dádiva que anula o mal traduz-se concretamente no perdão, na capacidade de perdoar a alguém, desfazer as mágoas que nos roem cá por dentro e libertar o espírito de ressentimentos.  Lembra-me sempre a oração: «Perdoa-nos, Pai, como nós perdoamos a quem nos tem ofendido». Esta frase parece mentirosa vinda de nós humanos, pecaminosos: perdoamos como se, nesse instante de oração, o perdão acontecesse no nosso coração. O perdão é dos gestos mais nobres que conheço, embora nem tudo possa ser perdoado. É a reação mais elevada da parte de alguém que foi vítima de um ato mau e opera, de algum modo, a anulação desse mal. Por certo que a ação é dupla: perdoar é pedir perdão. Porém, o que é prioritário é «perdoar», porque não é concebível que eu possa pedir perdão quando no meu íntimo subsiste a recusa de perdoar. Se me recuso a perdoar, continuo a viver no rancor, no ódio e, na minha relação com os outros, considero-os meus devedores. Para eles eu sou alguém que recusa esse dom. Quando me recuso perdoar aos outros, que tipo de pessoa sou? Sou alguém que toma o outro como a causa do mal que me vitimou. Por vezes esse mal é uma realidade. Mas quando me recuso a admitir uma atitude de perdão, torno-me cúmplice desse mal, aumento-o. O perdão desarma o mal, aniquila-o, a começar por aquele que é vítima dele. Por vezes o mal é mais obscuro. Sofro, por exemplo, com uma ação, uma palavra, com a qual o outro exprimiu a sua intenção de me prejudicar. Mas o perdão, como virtude maior, situa-se ao lado do amor. É uma palavra cheia de sentido: designa o que há de mais vital em todo o verdadeiro amor. Primeiro vem o amor. Depois o perdão. Depois as palavras. Depois o perdão. Depois o intervalo. Depois de novo o perdão. Diz-se que ninguém escapa à tristeza. E à felicidade? Escapamos? A nossa memória não consegue secar como as folhas deste outono que já passou e a chuva torna a saudade mais nítida. Lutamos com o silêncio e tentamos acordar da força dele. Inutilmente. Eu já quase perdoei tudo a todos: a quem me fez mal, a quem não me quis bem, a quem me prejudicou de alguma forma. Ao menos, vivo com o coração limpo de rancores, vazio de ódios, néscio dessas coisas. Só não me consigo libertar da indiferença. E essa é, porventura, a condição maior da minha felicidade.

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