segunda-feira, 9 de abril de 2012

Mais (débito) palavras



"Somos todos culpados de tudo perante os outros e eu mais que os outros..."

Fiodór Dostoievski

Há uma coisa em que não podemos intervir ou modificar: vivemos em sociedades que se definem e se identificam com uma memória. Cada um de nós quando tem de dizer a alguém quem é, e escolhe a forma escrita como expressão, regra geral conta episódios da sua existência - ainda que alguns possam estar ficcionados, emoldurados por metáforas, enevoados propositadamente com uma áurea de palavras dúbias [a meu ver, o mester de escrever tudo isso deve perdoar!]. Também há factos que se escrevem e coincidem com a realidade. É através dos acontecimentos vividos, dos períodos que marcaram a nossa vida, sobretudo da forma como eles se repercutiram em nós, que nos definimos. E a memória das nossas origens, a tentativa de recuar o mais possível no tempo, sempre contou imenso para mim. Acho, porém, inúteis as tentativas de descodificar nas (minhas) palavras a destrinça entre o que é verdade e o que é ficção. Muitas vezes nem eu próprio o conseguiria fazer com uma certeza indúbia. Caso alguém quisesse colocar a sua vida a nu, com os pontos nos is, certamente escolheria uma escrita mais informativa, menos prosaica, e limitar-se-ia a usar uma linguagem denotativa, fazendo os possíveis por se afastar de um registo de outro tipo. Ora a minha forma de me expressar pela escrita não é essa. Tudo quanto escrevo é  susceptível de passar pelo crivo essencial da pergunta: será verdade ou mera ficção? A intuição fundamental da minha moralidade, muitas vezes, consiste em aperceber-me de que não sou igual aos outros; e, por isso mesmo, sinto-me obrigado a respeitá-los nas suas diferenças; por conseguinte, regra geral, sou imensamente mais exigente comigo do que com os outros. Esta pouca leveza não é uma boa forma de me saciar com aquilo que a vida tem para oferecer, mas o que fazer se esta é a minha génese?

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